Julião Sarmento não foi apenas um dos artistas mais relevantes da arte contemporânea portuguesa, foi também um grande colecionador de arte. Com um acervo de cerca de 1500 obras, a coleção do artista plástico, que morreu em 2021, vai começar a ser exibida a partir de quinta-feira (5) em casa própria, num antigo armazém alimentar na Avenida da Índia, em Belém, reconvertido pelo arquiteto Carrilho da Graça. Até domingo a entrada será gratuita. O visitante não deverá esperar ver trabalhos de Julião Sarmento, mas antes cerca de 100 obras de arte da sua vasta coleção.“O pavilhão Julião Sarmento ocupa-se do Julião colecionador, não do Julião artista. Claro que as coisas são inseparáveis, mas por exemplo, quando chegarem aqui, a partir do dia 5 - e recordo que a entrada é gratuita até domingo, dia 8 -, não encontrarão obras do Julião Sarmento, encontrarão as obras que o Julião Sarmento colecionou”, sublinha ao DN Isabel Carlos, a diretora do novo equipamento cultural gerido pela EGEAC Lisboa Cultura.Há obras que resultaram de trocas com outros artistas com quem Julião Sarmento se cruzou ao longo da vida, mas a coleção não se resume a isso. “Há mesmo espírito colecionador e há obras que foram adquiridas em galerias e em leilões, vai muito além das trocas”, diz Isabel Carlos. Aliás, explica, “a ideia de colecionador é algo muito presente no Julião desde o início, desde os anos 1970, tanto que criou um carimbo a dizer Julião Sarmento, collectionneur , collector, colecionador. Portanto, é alguém que quase simultaneamente, no momento em que está na Escola de Belas Artes e começa a sua carreira artística, também começa a sua coleção”. O Pavilhão vai ter uma reprodução desse carimbo “precisamente para lembrar como isso é um desígnio na vida dele desde o início”, revela. . O Pavilhão abre portas com uma exposição intitulada TAKE 1, com curadoria de Isabel Carlos, exibindo obras de Marina Abramović, Ernesto Neto, Robert Morris, Juan Muñoz, Cristina Iglesias, Rui Chafes, Richard Long, Lawrence Weiner, Ângela Ferreira, John Baldessari ou Rita McBride. “A claquete é aquele instrumento que se usa no cinema, que depois ajuda muito na montagem”, diz a curadora. “Aqui é não só porque o Julião era de facto um profundo conhecedor e amante do cinema, aliás começou por fazer filmes em Super 8 e 16mm nos anos 1970, e também por esta ideia de que esta é só a primeira tomada, este é só o primeiro take. Seguir-se-ão outros takes para dar um filme”. Ou seja, esta é apenas a primeira exposição de outras que se seguirão, com obras da coleção. A mostra tem dois núcleos temáticos Arte e Vida, e Espaço e Arquitetura espalhados pelas três galerias do Pavilhão. O espaço maior, a galeria 0, no piso térreo, “é dedicada sobretudo à questão da arquitetura, da casa, do espaço. A arquitetura era outra grande paixão do Julião Sarmento”, explica Isabel Carlos. Este núcleo ficará patente até finais de abril do próximo ano. . A galeria 2 é dedicada ao núcleo Arte e Vida. “Na galeria 2 é sobretudo esta comemoração de uma ideia dos anos 1970 - porque o Julião é um artista dessa geração muito influenciado pelo Joseph Beuys que tinha a grande afirmação de que ‘arte é vida e vida é arte’. Há, aliás, um desenho, ou melhor uma intervenção do Joseph Beuys ao lado, precisamente, de uma serigrafia do Antoni Muntadas que cria mesmo uma espécie de desenho gráfico em que a arte vai para a vida e a vida vai para a arte, e são dois retângulos que são unidos por setas” , observa a curadora da exposição. A sala abre com um retrato do José Manuel Costa Alves feito ao Julião Sarmento nos anos 1980. “É toda uma sala sobre a festa, o amor, a amizade, a colaboração entre artistas”, descreve.A galeria -1 é mais experimental e é dedicada ao cruzamento de várias linguagens artísticas. ”Há um vídeo da Marina Abramović e depois há uma fotografia do Paolo Canevari que fotografou a Marina Abramovic. Portanto, há estas relações entre artistas.” . As obras expostas vão desde meados dos anos 1970 até ao século XXI, e há uma peça post-mortem. “Há uma obra criada depois do Julião morrer, do Juan Araujo, que foi passar uns dias ao ateliê dele e que reproduziu em pintura, num modo extremamente rigoroso, as manchas de tinta do plinto que o Julião Sarmento usava para pôr o projetor de slides e pintar. Portanto é esta a memória que o Julião deixou, que depois se eterniza mais ainda com a pequena pintura que o Juan Araujo coloca sobre este plinto, já feita por ele, e que fez questão de dar à família do Julião”. . A maioria das obras são de artistas portugueses, e a seguir, possivelmente, de artistas norte-americanos, mas essa é ainda uma contabilidade que Isabel Carlos tem de fazer. Mas uma coisa adianta em relação ao gosto de Julião Sarmento como colecionador. “Primeiro que tudo é uma coleção de matriz conceptual, tal como a sua obra. E depois, acho que é sobretudo a teia de afetos e de artistas com quem teve proximidade. Mas é sobretudo a matriz conceptual de John Baldessari, de Lawrence Weiner, que acabaram também por ser seus amigos.”A curadora recorda que numa entrevista Julião Sarmento disse que noutra encarnação deve ter sido norte-americano. “Ele tinha uma forte relação com a cultura norte-americana dos Estados Unidos. E mais curioso do que isso, no caso dele, foi com Los Angeles”. O artista plástico era representado por uma galeria em Los Angeles e tinha amigos na cidade. “Ele gostava de Los Angeles. Era uma cidade de que ele gostava até mais do que Nova Iorque. E neste primeiro TAKE 1 há várias imagens de Los Angeles”.Mais do que um museuO Pavilhão Julião Sarmento quer ser mais do que um simples espaço museológico afirmando-se como “um centro de arte vivo”. Isabel Carlos considera que se diferencia de outros museus de arte contemporânea de Belém, como o MAC/CCB, MAAT ou MACAM, “pela sua escala, ou seja, uma escala média, um lugar que tem a possibilidade fazer um cruzamento de linguagens diferentes, desde o cinema à performance, à moda, à música”. E aponta para o concerto inaugural, ao final da tarde desta quarta-feira. “É uma performance com theremin, da Dorit Chrysler, pela primeira vez em Portugal. É mais este lado experimental, mais do que outra coisa qualquer. E depois, o querer ser um lugar de encontro e de proximidade entre o público e os artistas”. .Em junho abrem dois novos espaços de arte contemporânea em Belém