Foi a única aluna da licenciatura em Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, entre 2008 e 2011. Ainda esteve indecisa entre este curso e Artes Plásticas, mas diz que queria ler Homero em grego. Quando chegou a altura de fazer o doutoramento, a troika ainda estava em Portugal e não havia bolsas. Os professores não permitiram que ficasse a meio do percurso académico e surgiu um convite para ir estudar para os Estados Unidos, país onde concluiu o doutoramento em Línguas e Literaturas Afro-Luso-Brasileiras. E por lá ficou, a trabalhar na Universidade da Califórnia, onde dá aulas de poesia, literatura e cinema luso-brasileiros há quase dez anos. Hoje vive entre Los Angeles e São Paulo, e é no Brasil que tem publicado os seus mais recentes livros de poesia e ensaio. Patrícia Lino mistura no seu trabalho como poeta – e até como professora e ensaísta – várias linguagens, a palavra, o desenho, a música e a performance. “Eu concebo a palavra como essa matéria expandida, ela é visual, ela é performática, ela é musical, ela é sonora, além de, claro, verbal. E interessa-me explorar todos esses níveis ao mesmo tempo, às vezes explorar um mais e outros menos, mas sempre tendo em conta que todos estão lá, sempre”. A “poesia expandida”, como é chamada, tem uma forte tradição no Brasil e interessa a Patrícia Lino igualmente do ponto de vista académico. “Trabalho também isso como investigadora, eu escrevo muito sobre essa questão a propósito da poesia brasileira, que tem uma tradição muito forte de expansão, de expansão intermedial”, sublinha. “Por outras palavras, no Brasil é esperado de uma poeta que performe, que cante, que suba no palco, e em Portugal não é tão esperado isso. Espera-se que a poeta leia, ou nem sequer leia em voz alta, que publique o seu livro. Mas aqui já é um pouco exigido esse perfil multidisciplinar.”Por isso ela escreve – diz com uma pronúncia que denota a influência do Brasil –, “já imaginando como vou performar, como vou musicar”. Esta “expansão” para outras linguagens artísticas permite, concorda a autora, levar a poesia a novos públicos. “Com certeza, eu penso muito isso a dois níveis. Como poeta, é muito claro para mim que quando eu performo – e eu performo sobretudo aqui no Brasil, na América Latina – a mensagem, o prazer, chega muito mais rápido e a muito mais gente de várias gerações e de vários backgrounds, quando eu expando com o vídeo, com o corpo, com a voz, etc. E fica muito claro para mim também, enquanto professora, porque tudo se mescla, eu não separo poeta e professora.” Como docente tem sido distinguida ano após ano (recebeu várias vezes o GSA Excellent in Teaching Award. UC Santa Barbara), mas Patrícia Lino não separa uma coisa da outra. “Acredito que dou aulas mais como poeta do que qualquer outra coisa. E quando estou dando aula, esse exercício de pedir para desenhar a partir de um poema, ou compor, tem a ver com isso, de tentar chegar ao máximo de pessoas e tentar incluir o máximo de sensibilidades no espaço da sala de aula, do convívio, da colaboração, porque nem todo o mundo é verbal. Muita gente aprende muito melhor de modo visual, de modo musical, de modo performático. É uma questão que atravessa o meu trabalho de uma ponta à outra e tem a ver com essa expansão ‘decolonial’ do corpo. O corpo está a expandir-se e eu estou a usar todas as minhas faculdades para ler, para entender, para fazer”. A autora lançou em dezembro do ano passado, no Brasil, uma nova versão d’O kit de sobrevivência do descobridor português no mundo anticolonial, um livro publicado originalmente pelas editoras portuguesas Douda Correria (Volume I, em 2020) e Mariposa Azual (Volume II, em 2022). Esta edição, pela Círculo de Poemas, é para Patrícia Lino um livro novo. “Esta edição cresceu muito. A segunda tinha 45 objetos, esta tem 70. Então, é praticamente um livro novo. Porque eu cortei alguns dos objetos que estavam nas outras e escrevi 43 objetos novos”, explica. Trata-se de um livro que aborda as feridas da colonização portuguesa de forma irónica e humorística. Como explica Anna M. Klobucka, professora no Departamento de Português da Universidade de Massachusetts Dartmouth, nos EUA, “a autora, cuja vocação pedagógica se alia magistralmente, neste livro, ao seu ofício de poeta e artista visual, constrói um repertório de objetos/memes que é simultaneamente um exercício arqueológico e uma sátira brilhante à solidificação do consenso nacional (ainda) maioritário à volta da imagem higienizada e decorativa da herança colonial portuguesa”.É no Brasil que ela tem publicado grande parte da sua obra, porque sente que ali o seu trabalho “é mais entendido por questões de tradição, por questões culturais também”, diz a poeta, adiantando, todavia, que esta última versão 'd’O kit de sobrevivência do descobridor português no mundo anticolonial' vai ter uma edição portuguesa. “Nós estamos pensando em fazer a versão portuguesa deste livro e estamos no processo de conversas neste momento. Mas a ideia é que ele saia também em Portugal. As duas primeiras edições saíram em Portugal, por editoras pequenas, e esgotaram”. . No Brasil, sublinha Patrícia Lino, “existe uma tradição de humor que não há em Portugal. E, portanto, um livro como este é imediatamente compreendido. Porque há uma tradição que o acolhe, há um contexto para ele. Em Portugal não tanto. Isso não é melhor nem pior, mas essa tradição não existe. Existem casos pontuais, como Adília Lopes, por exemplo, ou Mário-Henrique Leiria, ou o próprio Mário Cesariny, uma certa parte dele. E não por acaso eu gosto tanto dos três. Mas não existe uma tradição do poema-piada como existe aqui.”Conservadorismo nacionalEmigrante há mais de dez anos, sente falta “da comida, da paisagem, do tempo”, e das pessoas de Portugal: “Do modo de ser, do modo até às vezes um pouco mal-humorado de ser, mas eu sinto saudades disso, sinto saudades do tom que o estrangeiro não entende, que um californiano não entenderia”. Mas há o outro lado da moeda: “Há coisas das quais eu não sinto saudade, nomeadamente do conservadorismo, do quão atrasados vão certos debates. Mas, ao mesmo tempo, essa relação do bom e do mau a gente tem com qualquer outro lugar”, ressalva. O ‘decolonialismo’ e o patriarcado são alguns dos temas que aborda na sua obra, mas esses não esgotam os seus interesses. Entre os múltiplos projetos que tem em mãos, está um livro de poemas intitulado provisoriamente Não Serei Para Ti Menos Do Que Um Sol. Provisório, porque alguns dos poemas já foram “performados” no Brasil e pediram-lhe um título. “É difícil de definir o que é. São poemas de amor, são poemas sobre a minha história também, são poemas muito sobre as mulheres que me criaram, as mulheres portuguesas de que eu descendo e sobre as quais eu sempre quis escrever. São poemas sobre aquilo que eu enfrento no mundo como descendente delas, como a primeira mulher. Eu falo muito disso em alguns dos poemas, como a primeira mulher que lê, que escreve, que estuda, que emigra e que ainda assim carrega tanto a força delas como a vergonha delas, essa vergonha de não pertencer, mas de pertencer ao mesmo tempo e de estar já num outro lugar, num lugar de privilégio que eu não teria se não fossem elas. São poemas um pouco sobre tudo e talvez os mais vulneráveis que escrevi.”Patrícia Lino gosta também de pegar na tradição e desconstrui-la. Fê-lo no livro A Ilha das Afeições (Círculo de Poemas, 2023), em que revisita Camões. “A tradição é uma das minhas obsessões, no sentido em que eu gosto de recriá-la. Como, por exemplo, aqui neste livro, que também só saiu no Brasil. Eu faço uma versão queer da Ilha dos Amores de Camões”. Também no seu trabalho académico há uma “provocação” à tradição. Por exemplo, no ensaio que publicou sobre a poesia expandida brasileira – Imperativa Ensaística Diabólica. Infraleituras da Poesia Expandida Brasileira ( Relicário, 2024), há desenhos e QR code que remetem para vídeos produzidos por ela. “Neste livro eu proponho um novo tipo de ensaio a que eu chamo infraleitura, que é muitas coisas ao mesmo tempo, entre elas uma enorme provocação à academia, ao tradicionalismo da academia, logo, ao centrismo da academia, e também um modo ‘decolonizado’ de ler. É um modo mais democrático, coletivo de ler e de conversar com a leitora do meu ensaio.”Para Patrício Lino, este tipo de análise “faz muito sentido para qualquer poema, mas faz talvez ainda mais no caso de poemas que são evidentemente expandidos, ou seja, um poema que é muito mais visual do que verbal . Eu não dou conta dele e usar as ferramentas tradicionais da crítica, aquelas que nos são ensinadas na aula tradicional de poesia”.Quando vem a Portugal, Patrícia Lino é muitas vezes convidada para dar aulas nas universidades. “Sou muito bem acolhida pelos meus colegas dentro da universidade portuguesa. Faço também colaborações com poetas, tenho diálogo com poetas. Por exemplo, há dois poetas portugueses com os quais eu dialogo muito, a todos os níveis, Miguel Manso e Margarida Vale de Gato. Tenho esse diálogo forte com o país e tenho também a relação de emigrante, de pessoa que deixou o país há dez anos e que não imagina regressar muito facilmente.” .Para que não se fale dos poetas apenas quando ganham prémios ou morrem.Isabel Allende: "Apenas adoro contar uma história. Não quero pregar na minha ficção"