Os diálogos e os seus silêncios
Evocando um massacre numa escola, Mass-Reunião, escrito e realizado pelo estreante Fran Kranz, é um dos grandes acontecimentos da mais recente produção independente dos EUA.
Revelação do ano? Falo de Fran Kranz, nascido em Los Angeles, em 1981: é um daqueles atores que foi construindo uma carreira mais ou menos secundária (e como secundário) na enxurrada de filmes de terror e comédias "juvenis" gerada por alguma produção independente dos EUA. Até que, há pouco mais de um mês (6 de março), o seu filme de estreia como realizador, Mass, foi consagrado nos Independent Spirit Awards com o Prémio Robert Altman - a distinção, atribuída em nome do autor de Nashville (1975) e Short Cuts (1993), consagra o realizador, o elenco e o director de "casting".
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Pois bem, Mass aí está, lançado com o título português Reunião e convém não termos ilusões: está destinado à mesma passagem discreta pelas salas que passou a "castigar" todos os títulos que não encaixem nas rotinas de super-heróis, filmes de animação e pouco mais.
Que o filme tenha recebido uma distinção para o seu elenco, eis o que está longe de ser banal. Estamos, de facto, perante um impressionante "tour de force" de quatro atores. São eles Jason Isaacs, Martha Plimpton, Reed Birney e Ann Dowd. Os dois primeiros interpretam os pais de um jovem que foi morto durante um tiroteio numa escola; os segundos surgem como os pais do autor do crime - reúnem-se seis anos depois da tragédia, tendo como único cenário a igreja onde existe, precisamente, uma sala disponível para encontros relacionados com problemas emocionais do foro íntimo dos participantes.
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Tendo em conta que vivemos um tempo em que há toda uma ideologia "purificadora" que trata as relações humanas como mecanismos transparentes e facilmente descritíveis (por exemplo, em certas rubricas de "talk shows" televisivos), importa sublinhar que Mass-Reunião nada tem que ver com tais dispositivos. A perturbação inerente ao passado que as personagens evocam não desemboca, de modo algum, numa qualquer "lição" ou "tese" sobre os casos "semelhantes" que têm pontuado a história social dos EUA nas últimas décadas, aliás com ecos importantes no cinema (lembremos Bowling for Columbine, de Michael Moore, e Elephant, de Gus Van Sant, respetivamente de 2002 e 2003).
Nesta perspectiva, a singularidade cinematográfica de Mass-Reunião não decorre apenas (nem sobretudo) da perturbação inerente aos respectivos ecos sociais, mas sim do modo como os seus "temas" são objecto de um sofisticado tratamento do espaço e do tempo, dos diálogos e seus silêncios. Há muito tempo que não víamos um filme que evocasse de modo tão particular, e também tão talentoso, o teatro e o cinema de David Mamet - sem esquecer que Fran Kranz é também autor do argumento.
O que aqui mais conta é esse poder (único, a meu ver) que pode fazer do cinema uma montra da pluralidade das emoções humanas, mesmos as mais devastadoras, expondo-as através de gestos, olhares e palavras que pesam como acontecimentos irredutíveis e irrepetíveis. Da crueza obscena da morte até à hipótese divina do perdão, Mass-Reunião devolve-nos o cinema como linguagem de um fascínio sem equivalente
