Símbolo de uma certa produção independente americana vinda da década de 1990, a que também pertencem os nomes de Todd Haynes ou Richard Linklater, Hal Hartley parece ter decidido filosofar um pouco sobre o seu próprio envelhecimento. Enfim, o facto de ter celebrado a 3 de novembro o seu 66º aniversário não confirma nem desmente tal hipótese... Digamos que o pressuposto envolve necessariamente alguma ironia, quanto mais não seja porque o seu novo filme, Onde Aterrar (recentemente consagrado entre nós ao vencer o LEFFEST), embora longe de qualquer declaração autobiográfica, coloca em cena um cineasta em crise.Crise? A ironia duplica-se, já que a personagem central, Joe Fulton (Bill Sage) é um cineasta de sucesso que decide procurar emprego como assistente, eventualmente jardineiro, no local menos óbvio — a saber, um cemitério. Tomamos conhecimento de tal projeto ao mesmo tempo do encarregado do cemitério a quem Joe se dirige, o espantado Leonard (Robert John Burke, presença regular na obra de Hartley). Afinal de contas, Joe é realmente famoso, não através de filmes de terror, mas pelas suas comédias românticas...Tal como acontece em diversos momentos da filmografia de Hartley (podemos evocar Homens Simples ou Henry Fool, respetivamente de 1992 e 1997) a premissa vale menos pelo efeito desconcertante e mais pela teatralidade que instala nas situações que se vão seguir. Dito de outro modo: Onde Aterrar é um filme que começa por fingir uma certa dimensão "psicológica” para, cena após cena, se transfigurar num ritual amargo e doce sobre a aceitação do tempo que passa — talvez, por que não, uma comédia romântica?Ao fim de duas ou três sequências, deparamos com uma curiosa ambivalência dramática que é também, afinal, o mais típico efeito de assinatura de Hartley. Sentimo-la através do peculiar trabalho de representação dos atores: começamos por reconhecer as personagens como “símbolos” mais ou menos lineares de determinados estratos sociais ou profissionais; em paralelo, cada um deles (atores & personagens) vai-se libertando de qualquer obrigação naturalista para se assumir como voz singular de um pensamento paradoxal, entre crueldade e sarcasmo, sobre o carácter precário da existência humana.Tudo isso surge encenado em cenários emblemáticos de Nova Iorque, embora não se justifique qualquer aproximação, por exemplo, do imaginário de Woody Allen. Hartley concebe Onde Aterrar (e, em boa verdade, a maior parte dos seus filmes) como um exercício coral sobre a vulnerabilidade dos nossos valores e certezas — a tragédia espreita, mas permanece adiada..'Na Linha da Frente'. O cinema na intimidade de um hospital.'Justa'. A tragédia e a sua verdade