O sustentável peso de Brendan Fraser
Veneza'22 continua com uma programação forte, fortíssima. Para já, além de Cate Blanchett, há também Brandan Fraser em The Whale a carimbar a nomeação para o Óscar, isto num festival que mostra hoje os afetos da comunidade queer açoriana em Lobo e Cão, de Cláudia Varejão.
Depois de Mickey Rourke em The Wrestler, Darren Aronovsky recupera outra vedeta esquecida de Hollywood, Brendan Fraser, conhecido da saga A Múmia e ultimamente algo afastado depois de ter ficado obeso. E é sobre obesidade que a casa gasta em The Whale, adaptação de uma peça de Samuel D. Hunter que narra os últimos dias de um professor de Inglês a sofrer de obesidade mórbida radical e a tentar ganhar o afeto da filha adolescente que mal conheceu. Um homem preso ao seu sofá e andarilho em espiral de tormenta física. Mesmo com muita maquilhagem e prostéticos, nota-se que é Fraser por trás desse corpo de excesso, entre um desejo suicida e a degradação de um corpo que sofre a vomitar, a rir, a masturbar-se e a sufocar. Um Brendan Fraser a dar dimensão humana a este arraial de expiação, um ator capaz de uma aura de humanidade absolutamente comovente, uma interpretação monumental que lhe dará de certeza nomeação aos Óscares.
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Na sessão de imprensa, os aplausos para este filme de um só décor foram impressionantes, sobretudo quando surgiu no ecrã o nome de Fraser. The Whale será mesmo uma das coqueluches desta próxima temporada de prémios e só muito estranhamente não estará neste palmarés de Veneza. À saída da sala havia quem se queixasse da dimensão teatral do filme, mas a realização de Aronovsky nunca deixa em terra alheia uma tensão que é só do cinema, mesmo quando não retira o tempo e os tempos do teatro entre os diálogos na sala de estar desse homem imóvel, uma espécie de Homem-Elefante que faz do seu optimismo e bondade uma forma de estar no mundo. Claro que as referências a Moby Dick e a Herman Melville fazem parte da receita de charme, mas o segredo de tudo parece estar na pacatez de processo de estilo da câmara de Aronovsky, um cineasta que vai direto à grande emoção humana.
Na secção Dias de Autores, chega então hoje Lobo e Cão, de Cláudia Varejão, depois de recentemente ter sido um dos filmes escolhidos pela Academia portuguesa para ser pré-candidato aos Óscares. E bem que se pode reafirmar que a ficção fica bem à cineasta de Ama-San, mesmo pensando que estes não-atores têm muito do real naquilo que estão a interpretar ou a encenar. São as suas vidas e dificuldades de existir enquanto seres livres numa comunidade de São Miguel, Cabouco, onde é quase quixotesco os jovens poderem viver uma vida queer livre. O filme é de uma liberdade formal notável, evitando maneirismos estéticos que certos "números" musicais poderiam armadilhar e nunca dispensando uma higiene visual que é apanágio nos filmes desta cineasta. E este grupo de jovens ,que se presta a um enredo muito real, tem talentos cujos rostos trazem uma verdade e beleza muito própria. Mais um bom filme português num grande festival internacional... Apenas se lamenta que com este sistema de recolha de bilhetes da imprensa nas secções paralelas muitos não consigam chegar facilmente a este título. As filas virtuais para conseguir entradas neste festival são o pior de uma edição que ainda terá de Portugal A Noiva, de Sérgio Tréffaut e a reposição em cópia restaurada na Semana da Crítica de O Sangue, de Pedro Costa.
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