O show Regina Casé!

O cinema brasileiro a chegar às salas com um drama com comédia de costumes, <em>Três Verões</em>, de Sandra Kogut, onde pontifica uma das rainhas do cinema brasileiro, a maravilhosa Regina Casé.
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Em Portugal fala-se em espírito de desenrascanço e esquemas, no Brasil é "jeitinho". O jeitinho para contornar problemas ou, de alguma forma, perpetuar uma ideia de corrupção endémica. Neste filme de Sandra Kogut, esse vício brasileiro passa do patrão para o empregado e é a coisa mais natural do mundo. Três Verões são três episódios da vida de uma casa de luxo em Angra dos Reis e é também uma auscultação de um estado de espírito de país em trauma com o Lava Jato. Tem humor, mas é um humor magoado - as personagens sorriem em modo de luto: ricos e pobres não têm a vida que querem, é a vida que lhes sobra.

Regina Casé, de novo superlativa a todos os níveis, é a governanta da casa, quem tem de gerir tudo, da festa de natal à sobrevivência de todos quando o patrão é preso depois de ser apanhado em flagrante num caso de suposto desvio de dinheiros. Ao mesmo tempo, também quer ser empresária: ter um quiosque com petiscos e continuar a sacar um extra com entregas de comida da casa que não é sua...

Filmado com uma ironia cortante, este retrato de um Brasil em fim de festa é mais correto do que arriscado. Um exemplo típico de um filme construído apenas em função da sua atriz, um Regina Casé com todo o seu carisma à solta. A câmara basta segui-la... É realmente ela quem dita o tom, seja num registo mais expansivo, seja em momentos de intimismo mais subtil. Depois de Que Horas ela Volta?, de Anna Muylaert, percebia-se que era uma atriz cujos olhos carregavam todo o peso da classe trabalhadora brasileira. Aqui continua na mesma senda e até perde o condão da novidade, mas continua a ter uma energia que mais nenhuma outra atriz brasileira convoca. É como se o seu registo fosse quase todo um subgénero de dramas realistas com o olhar do povo brasileiro.

Com menos ou mais méritos, Três Verões é um objeto de resistência de um cinema de combate social. Seguramente, é tudo o que as telenovelas não mostram...Porque na peripécia da ficção televisiva não cabem as lágrimas e os suspiros tensos de Regina Casé.

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