Louis Garrel: o ator ou a personagem?
Louis Garrel: o ator ou a personagem?

'O Segundo Acto'. Onde é que está o surrealismo?

'O Segundo Acto', de Quentin Dupieux, serviu de abertura ao Festival de Cannes de 2024: quatro personagens encontram-se num jogo de espelhos entre verdade e ficção que se esgota em poucos minutos...
Publicado a
Atualizado a

Nascido em Paris, em 1974, Quentin Dupieux ganhou fama com o cognome de Mr. Oizo, isto é, enquanto criador de música electrónica. Se é verdade que as suas composições refletiam uma celebração de estruturas abstratas, organizadas em ritmos mais ou menos repetitivos, então há que reconhecer que a sua filmografia se apresenta como um reflexo direto das suas experiências musicais — assim é O Segundo Acto, estreado em Cannes como filme de abertura da edição de 2024 do festival, agora lançado nas salas do nosso país.

Para tentarmos alguma contextualização, convém lembrar que estamos a falar de um autor que conquistou a classificação de “surrealista” por ter filmado um pneu assassino (sic) no bem chamado Rubber – Pneu (2010)... Embora o trabalho de Dupieux seja feito em nome do humor (“Quero que as pessoas se riam”, resumia ele as suas intenções numa entrevista de 2021 ao jornal The Guardian), apetece falar a sério e formular a pergunta que se impõe: de que falamos quando falamos de surrealismo?

A resposta de Dupieux estará no filme de 2023 que dedicou, precisamente, a Salvador Dalí, intitulado Daaaaaalí! (assim mesmo, com a letra “a” repetida seis vezes). Aí encontrávamos uma jornalista que, no meio de muitas atribulações, tentava filmar uma entrevista com Dalí, sendo o pintor interpretado por vários atores que, com grande dedicação e resultados patéticos, se exprimiam num francês tingido de sonoridades espanholas. Ficava uma dúvida metódica: aqueles Dalí inspiravam-se no verdadeiro Dalí ou eram apenas espetros a que o realizador decidira colocar a alcunha de “Dalí”?

No caso de O Segundo Acto, dir-se-ia que Dupieux quis confirmar algo que, modéstia à parte, já tínhamos adivinhado. A saber: o cinema faz-se com atores que estão a fingir que existem num mundo alternativo a que, ao que parece, damos o nome de ficção. Assim, várias personagens — interpretadas por Léa Seydoux, Vincent Lindon, Louis Garrel e Raphaël Quenard — encontram-se num restaurante numa paisagem deserta (para garantir que algum simbolismo está em jogo, o restaurante chama-se... O Segundo Acto). A pouco e pouco, para lá das querelas que adivinhamos, as coisas adquirem um tom de farsa, já que cada um deles ora fala como personagem, ora como actor que comenta essa personagem.

O jogo de espelhos esgota-se em poucos minutos e, em boa verdade, apenas se vai sustentando através do empenho dos atores em tentar manter uma postura criativa face a uma matéria dramática que pouco lhes dá para fazer. A certa altura, naquela que é, sem dúvida, uma boa piada, Vincent Lindon mostra-se muito feliz porque recebeu a notícia de que terá um papel no próximo filme de Paul Thomas Anderson — eis uma nova pista para questionarmos onde está o surrealismo...

Carla Ribeiro (DN/de)
Louis Garrel: o ator ou a personagem?
'O Segundo Acto'. Onde é que está o surrealismo?
Louis Garrel: o ator ou a personagem?
'Aqui e Acolá'. As cores do humor a preto e branco

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt