José Luís Peixoto traz o cancro para o seu novo romance, 'A Montanha', numa tentativa de fechar o círculo iniciado com o seu primeiro romance, 'Morreste-me'. 
José Luís Peixoto traz o cancro para o seu novo romance, 'A Montanha', numa tentativa de fechar o círculo iniciado com o seu primeiro romance, 'Morreste-me'. Foto: Patrícia Santos Pinto

O romance sobre a pior doença

 José Luís Peixoto acaba de publicar o livro 'A Montanha', uma narrativa tão poderosa quanto criativa sobre o cancro. Escrito de forma original, é um dos pontos mais altos da sua bibliografia.
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José Luís Peixoto é desde o seu primeiro romance, Morreste-me (2000), um dos escritores que mais leitores tem no seu próprio país, como no estrangeiro, onde são bastantes as traduções dos seus livros. Este seu primeiro romance nasceu de um breve texto ficcional que Peixoto escreveu e publicou em edição de autor. Segue-se a sua publicação no suplemento DN Jovem e a reação faz com que o reescreva e que no seu percurso seja declarado um dos dez melhores livros da primeira década deste século. O tema está preanunciado no título, a morte do pai. Este A Montanha, regressa à sua morte e (tenta) fecha o ciclo sobre a dor provocada pelo desaparecimento paternal.

É um livro mais duro do que a maioria dos que tem escrito nos últimos tempos e pergunta-se a Peixoto se existe uma razão específica para essa situação: “As coisas proporcionaram-se para que o livro acontecesse e que tivesse necessariamente esse tema. É um livro cuja primeira faísca que lhe deu origem não foi da minha iniciativa, mas vem no decurso dos meus mais dois recentes romances: Autobiografia (2019), que tem José Saramago muito presente, e depois Almoço de Domingo (2021) que tem o comendador Rui Nabeiro no cenário. E houve um acaso que me trouxe definitivamente até este projeto, que se deu antes dos dois romances que referi e me fora proposto pelos médicos do IPO do Porto: escrever sobre as histórias de alguns pacientes. Fiquei sempre com essa ideia em mente, mas queriam um livro coletivo e foi sendo adiado. Há uns tempos, reencontrei um desses médicos e tive oportunidade de prosseguir esse caminho.”

A Montanha tem a particularidade de ser também sobre histórias de pessoas que existem realmente, tal como os dois anteriores: “Combinavam-se uma série de componentes que faziam com que fosse um degrau acima em termos de ambição. Ao chegar o tempo de olhar de forma concreta para este projeto foi quando decidi que o livro seria um romance, porque antes não me parecia que fosse o género mais evidente. Essa situação de juntar vários testemunhos num romance moldou muito a estrutura do texto e, efetivamente, o tema do cancro impôs-se. Era o assunto que unia todas as «personagens» e estava no centro de tudo.”

Não foi por acaso que a partir de um certo momento José Luís Peixoto aceitou o convite: “Era um tema que, sob um ponto de vista autobiográfico e também da obra, uma vez que tenho o livro Morreste-me, que fala sobre a morte do meu pai me interessava”. Pergunta-se se o novo romance pretende fechar o ciclo da morte? Não é assim tão certo, como diz: “Houve uma altura em que pensei que com este livro dizia tudo o que havia sobre esse tema, mas não sei se será assim, porque quando inicio um projeto olho muito mais para trás do que para a frente e tento sempre estabelecer ligações com o que já fiz e tenho às vezes muito menos certezas em relação ao lugar para onde me dirijo. Em A Montanha, isso acontece bastante e, de uma forma até muito direta, existem várias referências a livros que já escrevi. Aliás, nos últimos a questão do biográfico versus autobiográfico tem estado sempre muito presente e neste caso uma das coisas que foi muito importante era o ponto de partida do biográfico da vida daquelas pessoas, mas também do autobiográfico, o que favorece uma perceção de realidade.”

Esta contradição cria um momento, segundo o escritor, “em que a pouco e pouco se vai instalando um certo surrealismo, delírio ou metáfora” que acaba por tornar-se numa “grande fragmentação e com tantos elementos, que de alguma maneira, enlouquecem o narrador. Não será por acaso que tal acontece, antes por que tem a ver com a questão do sentido da vida e cada vez mais uma dificuldade para identificar um sentido na vida evidente e simples. Que cada vez é mais difícil porque os parâmetros mudaram todos neste milénio.”

Se se achou que A Montanha será o fecho do ciclo começado por Morreste-me, pouco depois o autor desfaz essa sensação: “Quando há dias fiz o lançamento do livro no IPO do Porto houve algo que devo referir; de que nos livros que escrevi até hoje, nenhum esgotou o seu tema. Consigo escrever livros que esgotem o tema que propõem, no entanto, esses são os que sugerem e provocam reflexões nos leitores. No caso deste novo romance, existem também provocações devido ao assunto principal: estar-se a falar sobre a verdade da doença e, enquanto autor, posso transformar-me em narrador; se ao contarem a sua perspetiva reproduzo exatamente o que aconteceu ou é o que imaginei a partir do que as pessoas me contaram.”

Diz-se a José Luís Peixoto que A Montanha mais não é do que um livro de um escritor órfão. Responde que “agora ainda mais órfão, pois é natural que os pais morram antes dos filhos, mas escrevemos sobre o que conseguimos escrever e sobre aquilo que temos para dizer. Eu, infelizmente, não consigo escrever sobre todos os temas. Tenho no início perante mim um grupo limitado de assuntos sobre os quais acredito que possa dizer alguma coisa minimamente relevante”. Daí que acrescente: “Este é um tema que provavelmente ainda não está resolvido, ou também porque encerra em si o tema da minha própria morte, porque a morte do pai também é em certa medida a minha própria morte. Portanto, é um tema a que tenho regressado e, sinceramente, não sinto necessidade de me censurar ou de me inibir. Até porque ao longo dos anos foi evoluindo; no princípio era muito direto e pessoal, hoje já o vejo de uma forma mais conceptual, até um pouco mais simbólico. Além de que os leitores continuam a identificar-se com esta temática.”

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José Luís Peixoto

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