Lkhagvadulam Purev-Occhir. É este o nome difícil de pronunciar desta cineasta estreante residente nas Caldas da Rainha. Uma mongol que chegou a estudar em Portugal e por cá ficou e que neste momento é a grande esperança do cinema dessas paragens. Este seu primeiro cartão de visita teve uma vida feliz nos principais festivais (em Veneza venceu na secção Horizontes o prémio de melhor ator e no TIFF de Toronto bastante aclamação) e foi feito com a ajuda portuguesa na coprodução, neste caso da Uma Pedra no Sapato, a mesma produtora de Grand Tour, de Miguel Gomes.Acima de tudo, importa afastar as óbvias suspeitas, City of Wind (título internacional) não é o pequeno filme de estima exótico oriental. É realmente tudo menos isso, trata-se de um olhar lúcido sobre um “coming of age” de um jovem de 17 anos que, por acaso, é xamã e é chamado para ajudar os outros ao ter contacto espiritual com um espírito ancião. Um jovem igual a tantos outros numa complexa sociedade moderna da Mongólia, onde dever, tradição e modernidade tentam encontrar uma solução sem conflito. Este jovem xamã vê o seu quotidiano posto em causa quando descobre o primeiro amor, neste caso uma jovem com um espírito mais moderno que o conquista depois de pensar que os seus poderes xamânicos pudessem ser impostores…Feito com uma ponderação rítmica marcada e por um respeito a uma estratégia narrativa fluente, O Jovem Xamã nunca abdica de uma linguagem de pequenos gestos e da crença em sugerir o interior das personagens. Crença essa sustentada num pacto poético que acaba por ter um reverso feliz: ao mesmo tempo que é sempre super humano na descrição e nas convicções destas personagens, sabe retratar um estado de espírito de uma sociedade, cada vez mais num ponto de viragem - a Mongólia está mais urbana e menos nómada, cada vez menos tradicional e mais global. E é nessa vertigem de contrastes que se encontra Ze, este adolescente que apenas se preocupa com a sua sobrevivência sentimental num dia-a-dia de escola, namorada e deveres com o dom xamânico. Na realidade, sejamos claros, não se vai para os túneis do cliché da escolha estrutural entre a tradição e a emancipação. Lkhagvadulam Purev-Occhir está sobretudo a filmar essa sensação do que é ser um jovem nesta nova e fascinante Mongólia. Ze é então um símbolo de um olhar do futuro de um país, algo que já acontecia na sua curta anterior, Snow in April, obra vencedora no Festival de Veneza.E porque o vento, lá de cima nos limites da cidade, é uma espécie de ponto de vista sobre o enclave em que o jovem xamã vive, a cineasta propõe-nos uma espécie de flutuação íntima com os seus sons. Uma câmara embalada com o vento, ao sabor das suas rajadas. O resultado é mais suave do que excitante. Afinal, este transe espiritual pede mesmo algum tipo de suavidade. Chamemos-lhe serenidade poética… A par disso, surge uma combinação também eficaz: profundeza e leveza.