(Da esquerda para a direita) Nuno Sá, Nélson Mendes e Ricardo Monteiro.
(Da esquerda para a direita) Nuno Sá, Nélson Mendes e Ricardo Monteiro.Pedro Rocha / Global Imagens

O eterno fascínio pelos Beatles no palco do Tivoli

Terminaram há 54 anos (feitos no dia em que se realizou esta conversa) mas o seu legado continua a conquistar novos fãs. Falamos dos Beatles, que a banda de tributo Peakles e a Lisbon Film Orchestra evocam em dois concertos, a 29 e 30 de Abril.
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Visite o túmulo de Eleanor Rigby. Conheça Strawberry Fields, Penny Lane, as casas onde cresceram Lennon, McCartney, Starr e Harrison. Em Liverpool há um mapa da cidade e há um mapa dos Beatles, com todos os lugares que eles ainda habitam sob a forma de fantasmas beneméritos. E o visitante, enfeitiçado por canções que ouve desde criança, responde ao apelo dos vendedores de percursos: visita todos esses lugares que tem por sagrados e as casas que guardam os sonhos de grandeza de quatro rapazes da classe operária.

Em 2014, os portugueses Peakles fizeram todo esse itinerário com a devoção que, em tal circunstância, toma os fãs dos fab four, mas tornaram-se também a primeira e única banda portuguesa a participar no International Beatles Week Fest, com dez concertos em cinco dias, em Liverpool (essa cidade da Costa Ocidental de Inglaterra, em que a popularidade dos ídolos da música pop/rock  só é superada pela dos craques do Liverpool FC e, mais modestamente, do Everton FC).
Mais de uma década depois, a tal devoção mantém-se e animou os Peakles a desafiarem a Lisbon Film Orchestra (LFO) para o espetáculo Yesterday, que subirá ao palco do Teatro Tivoli, em Lisboa, nos próximos dias 29 e 30 de Abril.

No princípio de tudo, explica-nos Nuno Sá, maestro da LFO, está um filme de 2019: Yesterday, de Danny Boyle, em que se conta a singular história de Jack Malik, cantor e compositor de música pop sem grande sucesso, até ao dia em que é atropelado por um autocarro durante um apagão de eletricidade, de dimensões globais. Quando recupera, canta Yesterday  aos amigos e constata, em choque, que eles não só não conhecem a canção, como nunca ouviram falar dos Beatles. Nos dias que se seguem, Jack perceberá que esse desconhecimento é mundial e não resiste a tocar as músicas da banda como se fossem da sua autoria. Alcança o sucesso tão ambicionado, mas o dilema moral que, em determinado momento, se lhe coloca, é poderoso.

Como nos diz Nuno Sá, “habitualmente fazemos concertos com bandas sonoras de filmes e séries, assinadas por grandes compositores que trabalharam para cinema, como John Williams ou Hans Zimmer, mas verificamos que o público gosta que se introduza sempre uma ou outra canção, para além da parte instrumental. Foi, também por isso, que aceitámos o convite dos Peakles, até porque as canções dos Beatles também nos dizem muito.” 

Um “namoro”antigo

O namoro entre esta banda de tributo aos Beatles e a LFO “é coisa antiga”, revelam-nos os dois elementos presentes na conversa, Nelson Mendes e Ricardo Monteiro, ambos fundadores, com André Conceição (hoje são cinco ao todo, e não quatro, porque, dizem, “a sonoridade mudou desde os Anos 60 e já não é possível assegurar aquela qualidade só com quatro músicos”).

Para eles, esta “aventura” começou em 2013, quando a formação inicial começou a tocar em bares, que é o percurso habitual das bandas de tributo. Mais tarde, juntar-se-iam Luís Félix e João Parreira. Estavam constituídos os Peakles: “A sonoridade do nome tinha de ser parecida com Beatles e o significado tinha de ser igualmente absurdo”, lembram.

Tanto cantaram que, em 2014, aí estavam eles atirados para o lugar onde tudo acontecera, 50 anos antes: Liverpool. Dez concertos em cinco dias, sempre com salas cheias. “À nossa revelia, o nosso baterista mandou um demo para a organização e nós ficámos bastante céticos. Com tantas bandas, de todo o mundo, a tocarem Beatles, não era provável que nos chamassem. Mas chamaram - e foi incrível.”

No entanto, mesmo já depois de terem repetido a experiência, continuam perplexos: “Como é que uma banda que terminou há 54 anos - capricho do destino, completados no dia em que fizemos a entrevista, 10 de Abril - continua a alimentar um festival de uma semana, com grupos de todo o lado a tocar Beatles, com salas sempre cheias. Como é que se consegue?”
Com esta experiência, os músicos perceberam também que o legado da banda “muda conforme o país”. “É diferente na Rússia, Turquia, Japão ou em Portugal e é muito engraçado perceber como é que a música deles chegou às pessoas, em diferentes contextos. Em alguns países, ela entrou mesmo de forma clandestina.”

Compreenderam também que há muitos modos de prestar tributo à banda de eleição de todos: “Há grupos que se vestem todos à Beatles e chegam ao preciosismo de ter um baterista canhoto, como era o Ringo Starr. Esse não é o nosso registo, embora gostemos de combinar o casaco com a gravata fininha, que foi a imagem de marca deles nos primeiros anos.”

Era o tempo em que as nossas mães e avós desmaiavam à passagem de John, Paul, George e Ringo, em que os bailes de aldeia os copiavam como podiam, em transcrições fonéticas aproximativas que resultavam em coisas como “Oh Leonilde is ló.” E, finalmente, foi também o tempo em que a Rádio Renascença proibiu a passagem de discos da banda, indisposta com o facto de John Lennon ter declarado que “eram mais populares do que Jesus Cristo.”

Mas o alinhamento que vamos ter no Tivoli privilegia as canções mais complexas, da fase em que os Beatles, cansados de tanto chilique das fãs, já não atuavam ao vivo. Como nos diz Ricardo Monteiro: “Apresentamos um repertório para todo o tipo de apreciadores, mas, porque temos a possibilidade de tocar com uma orquestra de 20 elementos, vamos interpretar temas como Eleanor Rigby, um medley de Abbey Road, por exemplo ou o Now and Then, que saiu no ano passado, depois de muitas peripécias.” 

Nelson Mendes, Nuno Sá e Ricardo Monteiro, numa passadeira em frente ao Teatro Tivoli, em Lisboa a mimetizar a famosa fotografia dos The Beatles em Abbey Road.
Pedro Rocha / Global Imagens

Tema de cor

Para os três, maestro e Peakles, a música da banda chegou por via dos pais, mas não é um tesouro do passado, antes uma fonte de constante descoberta. Ricardo Monteiro é professor de Música e, quando começou a escolher canções dos Beatles para levar aos miúdos, deu por si com uma pen com cerca de 250 temas, dos quais só dispensaria uns…cinco. Essa qualidade, só por si, já justifica a longevidade do mito e o facto de mes- mo crianças pequenas, ainda hoje, saberem de cor vários temas. 

Algo que eles - Peakles - já comprovaram ao vivo e a cores, nos seus próprios espetáculos: “Uma vez, tivemos um miúdo que cantou as canções todas, do princípio ao fim, não apenas as mais conhecidas, mas mesmo as que estão nos lados B dos discos. De outra vez, na Ericeira, estávamos um pouco preocupados porque percebemos que o público era muito adolescente. Puro engano. Também sabiam tudo e fartaram-se de cantar e dançar.”

A longevidade deste tributo não se esgota no público. Mesmo entre os músicos, a influência é pública e notória. Para além de Frank Sinatra, que considerou (e cantou, podem ver no YouTube) Something  a melhor canção de amor de todos os tempos, “Ringo Starr, embora não tenha sido exatamente um virtuoso da bateria, influenciou muitos bateristas, e George Harrison assinou efeitos de guitarra que são históricos.”

A este facto há que acrescentar que é aos Beatles que se deve a invenção do videoclipe, esse instrumento capaz de multiplicar até ao infinito a presença de um artista nas rádios, televisões e agora na internet.” Mais recentemente, Beyoncé gravou uma versão de Blackbird, tema que Ricardo e Nelson colocam no seu top-3 dos Beatles.

O que todos esperam dos concertos de 29 e 30 é, pois, um espetáculo multigeracional que, mais do que um exercício de nostalgia, seja uma grande festa, capaz de pôr o público a dançar. Quem sabe até se Eleanor Rigby engana o seu destino de solidão e vai festejar ao Tivoli.

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