Narnia no divã triste de Freud
Narnia no divã triste de Freud

Narnia no divã triste de Freud

Freud e o escritor C.S.Lewis encontram-se em 1939 para falar sobre o passado e a fé religiosa. Este é o conceito de 'A Última Sessão de Freud', de Matt Brown, o realizador de 'O Homem que Viu o Infinito'. Tem um Anthony Hopkins a abusar de alguns trejeitos…
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Cinema para a sessão de matiné com chazinho morno. Nada contra, se Freud’s Last Session fosse cinema, coisa que não é: apenas um objeto anónimo baseado numa peça de teatro que imagina um encontro entre o mestre da psicanálise, Sigmund Freud, e o escritor de As Crónicas de Narnia, C.S, Lewis. Trata-se claramente de um mero veículo para o octogenário Sir Anthony Hopkins estar  à solta em contracena, coisa que já tinha feito no muito palavroso The Two Popes, de Fernando Meirelles.

Aliás, o galês está demasiado à solta: muda de registo a toda a hora, abusa de bengalas de tiques e parece nunca abraçar a postura menos emocional do mito, mesmo quando por vezes seja genial em pequenos detalhes ou nas grandes explosões dramáticas. Em suma, é um Hopkins a engolir em demasia um Matthew Goode excessivamente comedido - erro de casting  monstruoso.

Deste encontro que é uma fantasia de conjetura: supostamente sabe-se que o dr. Freud, já perto da morte, teve uma reunião ou uma sessão com um professor de Oxford na sua casa de Londres. Pois bem, esta premissa imagina que tudo isso aconteceu com C.S .Lewis em pleno dia que Freud sofria dores desmedidas na boca devido ao cancro que o consumia e em que Churchill anunciava o começo da Segunda Guerra Mundial.

A sessão é, sobretudo, um debate de ideias: Lewis tenta confrontar Freud sobre o facto deste não acreditar em Deus, mas o psicanalista contrapõe com o peso da ciência e critica as crenças cristãs do escritor. Acreditar ou não acreditar, eis a questão.

A meio da sessão, com mais ou menos admiração mútua, falam da infância de ambos e o espectador leva com flashbacks do escritor na guerra e de Sigmund numa infância traumática com idas à igreja e a uma floresta negra: tudo encenado com uma estilização fantasiosa que mete dó. 

Paralelamente, em tempo real, acompanha-se o drama de Anna Freud, a discípula do pai, mulher que luta para sair da dependência do apelido e, ao mesmo tempo, conseguir assumir a sua orientação sexual. 

Mas mais ridículo de tudo é que como o argumento trata o fait-divers da mulher de Lewis ser a mãe do seu amigo morto na trincheira da Primeira Guerra Mundial, autêntico momento de comédia involuntária. Isto tudo num tom de dois homens num choque narrado em vibração de resmunguice e vaidade masculina.

A Última Sessão de Freud fracassa ao encerrar na sua verdade moralista uma dependência nas imagens ilustrativas, como se a plateia precisasse de confirmação, de sublinhado… Ilustram-se traumas e histórias com imagens cansadas e pindéricas. Ou a tragédia de um filme que não acredita na força das palavras.

Trata-se de um triunfo da mediocridade ético-estética e a desistência de acreditar num público que saiba desfrutar de uma conversa filmada. Sinceramente, não sei se é pior essa não-coragem de apenas filmar dois homens a trocar as suas verdades interiores ou o festival de pequenos truques de Hopkins…

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