Com a estreia de Na Linha da Frente, uma coprodução Suíça/Alemanha com assinatura da argumentista e realizadora suíça Petra Volpe, podemos descobrir mais um dos 86 títulos candidatos, em representação da Suíça, a uma das cinco nomeações para o Óscar de melhor filme internacional (cerimónia marcada para 15 de março). O mínimo que se pode dizer é que, seja qual for o panorama dessas nomeações, estamos perante um admirável objeto de cinema. Mais do que isso: podemos mesmo considerar que a intérprete principal, a alemã Leonie Benesch (nascida em Hamburgo, em 1991), não ficaria nada mal na lista de nomeadas para melhor atriz do ano.No começo da sua carreira, Benesch integrou o elenco de O Laço Branco (2009), de Michael Haneke, Palma de Ouro em Cannes. Mais recentemente, vimo-la em A Sala de Professores (2023), de Ilker Çatak, outro título que esteve na corrida dos Óscares (nomeado na categoria de melhor filme internacional em representação da Alemanha), e ainda em O Atentado de 5 de Setembro (2024), sobre a tragédia vivida nos Jogos Olímpicos de 1972 (também nomeado, neste caso na categoria de melhor argumento original). Em Na Linha da Frente, Benesch interpreta Floria Lind, enfermeira de um hospital suíço que acompanhamos durante um atribulado turno da noite — Late Shift é o título internacional.Gestos do trabalhoImporta reagir contra as generalizações gratuitas que um filme como Na Linha da Frente possa suscitar. Claro que a avalanche de dramas vividos por Floria ao longo de apenas uma noite (além do mais, o seu turno das Urgências está com sérias deficiências de pessoal) pode levar a evocar problemas semelhantes vividos noutros contextos. Mas seria distração ou demagogia ceder à facilidade moralista de considerar que “é tudo igual”. E não apenas porque cada um desses contextos se distingue por componentes irredutíveis. Sobretudo porque um filme... é um filme, não um programa político, ainda menos um relatório médico. Importa, sobretudo, lembrar que a nossa relação com um filme, para mais um filme tão especial como Na Linha da Frente, é sempre uma questão de cinema, não um mero inventário “temático” avalizado por um qualquer discurso mediático..Que acontece, então? Um verdadeiro milagre narrativo, raro no cinema contemporâneo. A realização de Petra Volpe não desiste dos valores de um realismo que resiste, ponto por ponto, ao “naturalismo” acelerado que asfixia a comunicação dos nossos ecrãs televisivos. Dito de outro modo: Na Linha da Frente impõe-se como um genuíno filme sobre o trabalho.Não é, de facto, todos os dias que vemos os sinais mais pormenorizados (apetece dizer: mais íntimos) do trabalho, para mais de um trabalho tão delicado e exigente, encenados desta maneira. Da simples preparação de uma seringa até ao atendimento de um paciente subitamente atingido por uma violenta alergia, passando pelo cansaço que se vai insinuando nos mais pequenos gestos, Benesch representa tudo isso como uma odisseia de profundos contrastes — entre o rigor dos tratamentos que é preciso garantir e o caldeirão de afetos contraditórios que vai invadindo todos os espaços.O cinema possui, ou pode possuir, esse maravilhoso poder de nos fazer penetrar em determinados lugares fazendo-nos sentir, não apenas a sua organização física, mas uma outra dimensão, carnal e contagiante, a que talvez possamos dar o nome de geografia emocional. Por alguma razão, o título original de Na Linha da Frente (Heldin) identifica Floria como uma “heroína”.Bergman & etc.Seria exagero considerar que existe um género cinematográfico “sobre” hospitais. Lembremos apenas títulos tão diversos como: No Limiar da Vida (Ingmar Bergman, 1958), centrado na convivência de três mulheres numa maternidade; Shock Corridor (Samuel Fuller, 1963), vivido no interior de uma instituição psiquiátrica; ou A Morte do Sr. Lazarescu (Cristi Puiu, 2005), desmontando um sistema em que a burocracia anulou o humanismo. Sem esquecer a metódica e pedagógica visão documental de Frederick Wiseman em Hospital (1970) ou Near Death (1989).Seja como for, Na Linha da Frente pertence a essa galeria de obras excecionais capazes de (re)valorizar a mais depurada dimensão humanista que o cinema pode conter. Na certeza de que essa dimensão, para lá do respeito da complexidade do mundo observado, é sempre indissociável do olhar rigoroso de uma câmara e também do invencível amor pelo trabalho dos atores..'Onde Aterrar'. Comédia, romantismo e envelhecimento.'Justa'. A tragédia e a sua verdade