O diretor de fotografia Eduardo Serra morreu aos 81 anos, anunciou a Academia Portuguesa de Cinema. De acordo com fonte próxima da família, Eduardo Serra morreu no passado dia 19, terça-feira. O local não foi indicado.Eduardo Serra é o mais internacional dos diretores portugueses de fotografia, tendo sido nomeado duas vezes para os Óscares, pelos filmes As Asas do Amor, de Iain Softley, e Rapariga com Brinco de Pérola, de Peter Webber, que lhe garantiu o prémio BAFTA da Academia Britânica de Cinema.A carreira internacional de Eduardo Serra teve início em França, onde se fixou em 1963, na sequência da perseguição de que foi alvo por participar em protestos contra a ditadura, recorda hoje a Academia Portuguesa de Cinema, que anunciou a morte do diretor de fotografia nas redes sociais, na noite de quinta-feira.Entre os filmes que marcaram o seu percurso contam-se Harry Potter e os Talismãs da Morte, Partes 1 e 2, "Diamantes de Sangue, de Edward Zwick, Belle du Seigneur, de Glenio Bonder, e A Primise, de Patrice Leconte.No cinema português, assinou a fotografia de obras como Sem Sombra de Pecado e A Mulher do Próximo, de José Fonseca e Costa, O Processo do Rei, de João Mário Grilo, Amor e Dedinhos de Pé, de Luís Filipe Rocha, e O Delfim, de Fernando Lopes.Eduardo Serra recebeu os graus de comendador e de grande oficial da Ordem do Infante D. Henrique, em 2004 e 2017, respetivamente, e o Prémio Sophia de Carreira, em 2014, da Academia Portuguesa de Cinema."Figura de referência maior no cinema mundial", Eduardo Serra "levou consigo a visão de um artista português que soube dialogar com cineastas de várias geografias, do cinema de autor europeu às grandes produções internacionais", conclui a mensagem da Academia Portuguesa de Cinema..Eduardo Serra: O cinema é uma arte da luz.Direção de fotografia era "criar sentido com imagens".Eduardo Serra dizia que o seu trabalho com a luz e a imagem servia para ajudar o espectador a entender a história de um filme.“O que tento é criar sentido com as imagens. É importante compreender quais são os elementos dramáticos. O que vou iluminar, as imagens que vou criar [sobre o trabalho de outros] devem levar o público a entender o argumento. Não me interessa fazer uma coisa que seja bonita”, afirmou Eduardo Serra numa entrevista ao jornal Público, em 2009.Nesse ano, Eduardo Serra vivia um pico de popularidade entre o público português, por causa das duas nomeações para os Óscares - o único português a consegui-lo até então -, com os filmes Asas do Amor (1997) e Rapariga com Brinco de Pérola (2003), e por se saber que iria trabalhar nos dois últimos filmes da saga Harry Potter (2010-2011).No entanto, quando teve esse reconhecimento público, Eduardo Serra contava mais de trinta anos de carreira atrás das câmaras, aplicando a filosofia de que uma boa fotografia em cinema é aquela que “ajuda à compreensão do filme, que acrescenta emoção à história, que a torna mais legível”, afirmou em 2004 ao Jornal de Letras.Eduardo Serra nasceu a 2 de outubro de 1943, em Lisboa, filho único de uma família de origens modestas, que vivia perto do Instituto Superior Técnico – “o símbolo da ascensão social” -, onde ingressou num curso de engenharia.Eduardo Serra, estudante universitário, nunca chegaria a terminar o curso, já embrenhado nas atividades dos cineclubes de Lisboa e, embora de forma discreta, nas lutas académicas de 1962.Ao jornal Público contou que chegou a juntar-se ao Partido Comunista Português, mas nunca foi “um bom militante” e em 1963 partiu para Paris. “Houve razões políticas e militares que tornaram urgente a minha partida”, disse ao Expresso em 2004.Em Paris, tentou entrar no Instituto de Estudos Superiores Cinematográficos, mas acabou por se formar na Escola Nacional de Fotografia e Cinematografia, onde obteve os primeiros estudos em direção de fotografia. Também fez igualmente o curso de História de Arte e Arqueologia na Sorbonne.A primeira década profissional no cinema foi como assistente de câmara em algumas dezenas de produções, trabalhando com Alain Cavalier, Patrice Leconte, François Leterrier, alguns dos realizadores com os quais voltaria a colaborar como diretor de fotografia.Com dupla nacionalidade, portuguesa e francesa, fazendo de Paris a sua casa, Eduardo Serra regressaria a Portugal já depois da revolução de 25 de Abril de 1974 para filmar, num dos raros momentos enquanto realizador, a curta-metragem Un Anniversaire (1975).No passado mês de julho, a propósito de uma retrospetiva dedicada a Eduardo Serra, a Cinemateca Portuguesa escrevia que este filme “celebra o primeiro ano do 25 de Abril e, em particular, acompanha as primeiras eleições livres, para a Assembleia Constituinte, a partir das experiências dos trabalhadores agrícolas de três aldeias do distrito de Beja”.A estreia de Eduardo Serra como diretor de fotografia em Portugal deu-se pela mão de José Fonseca e Costa, em 1982, com o filme Sem Sombra de Pecado."Do ponto de vista cinematográfico, não devo nada a Portugal. Devo muito ao Fonseca e Costa, mas nada a Portugal. Era um filme a que, no estado em que estava a minha carreira, eu ainda não teria acesso. Ele apostou em mim e isso foi decisivo para a minha carreira, mesmo em França", contou ao jornal Público em 2002.Voltaria a trabalhar com Fonseca e Costa em A Mulher do Próximo (1988) e com pouco mais realizadores portugueses: João Mário Grilo em O Processo do Rei (1989), Luís Filipe Rocha, em Amor e Dedinhos de Pé (1991), Fernando Lopes, em “O Delfim (2001).Eduardo Serra ganhou prestígio internacional sobretudo em França, de onde fez a ponte com Londres e, do outro lado do Atlântico, com Hollywood, sublinhando, ainda assim, prudência na escolha dos projetos.“Não quero entrar no sistema de fazer filmes para ganhar a vida. Só quero fazer filmes que possa ver como espectador”, disse na mesma entrevista ao Público em 2002.Trabalhou sobretudo com os franceses Claude Chabrol e Patrice Leconte, com os quais fez mais de uma dezena de filmes, mas também com os britânicos Michael Winterbottom e Iain Softley e os norte-americanos M. Night Shyamalan ou Edward Zwick.Em 1998 esteve nomeado para os Óscares com “Asas do Amor”, de Iain Softley, num ano em que Titanic, de James Cameron, arrasou a concorrência com onze estatuetas. No Reino Unido, Serra venceu o BAFTA de melhor direção de fotografia.Em 2004, voltaria a ser nomeado para os Óscares pela fotografia de Rapariga com Brinco de Pérola, de Peter Webber. Apesar de não ter ganho, não faltaram elogios à forma como recriou os ambientes da época setecentista de Delft (Países Baixos) e a luz dos quadros do neerlandês Johannes Vermeer. .Eduardo Serra homenageado na Cinemateca.Nomeações para os Óscares "têm um valor simbólico único". Numa conferência de imprensa em Lisboa, em 2004, Eduardo Serra relativizava o reconhecimento e as nomeações para os Óscares: “Têm um valor simbólico único, facilitam a vida e dão um crédito indiscutível nos Estados Unidos e no Reino Unido”.A verdade é que, na década seguinte, juntaria ao currículo a participação num ‘blockbuster’ de entretenimento, os dois últimos filmes da saga “Harry Potter”, realizados por David Yates."Chego a casa, telefonam-me [e perguntam], ‘Queres fazer os dois últimos Harry Potter por um orçamento de 450 milhões de dólares’? Tecnicamente há tudo, todas as gruas, todas as técnicas, seja o que for é utilizado, temos todos os brinquedos", recordou Eduardo Serra, em 2010 à agência Lusa.Depois desses filmes, Eduardo Serra ainda trabalhou com Glenio Bonder em “Belle du Seigneur” (2012) e “A primise” (2013), de Patrice Leconte.Em 2014, foi distinguido com prémios de carreira pela Sociedade de Diretores de Fotografia dos Estados Unidos e pela Academia Portuguesa de Cinema.Foi ainda agraciado com o grau de comendador da Ordem do Infante D. Henrique (2004), pelo então presidente da República Jorge Sampaio, e com o grau de Grande-Oficial, da mesma ordem, em 2017, pelo chefe de Estado Marcelo Rebelo de Sousa.Eduardo Serra era ainda membro honorário da Associação de Imagem Portuguesa, segundo a qual um diretor de fotografia é “responsável pela qualidade artística e técnica da imagem do filme”.Este ano, a Cinemateca Portuguesa lembrou que Eduardo Serra "foi o mais internacional dos diretores de fotografia portugueses".Na retrospetiva que lhe dedicou foram mostrados "três filmes raros" em que "deixou de lado a direção de fotografia para se sentar na cadeira de realizador": "Un Anniversaire" (1975), "Rink-Hockey - Le Hockey sur Roulettes" (1982) e "Cinéma portugais - Un Mode d'Emploi" (1990)..Eduardo Serra distinguido