Operação Beirute foi originalmente publicado em hebraico em 2002. Acabei de o ler em português e considero-o muito atual. Significa isto que, apesar de todos os acontecimentos e mudanças no Médio Oriente, o conflito de Israel com os países vizinhos é interminável?Existe um conflito fundamental e duradouro entre Israel e os países vizinhos que não reconhecem o direito dos judeus a terem um Estado independente na terra dos seus antepassados, apesar das decisões da Sociedade das Nações em 1922 e do plano de partilha da ONU em 1947. Esta situação está a mudar gradualmente, com o tratado de paz entre Israel e o Egipto (1979) e Israel e a Jordânia (1993) e os Acordos de Abraão. Não mudou com a Síria e o Líbano até esta última guerra, na qual o colapso do regime sírio e do Hezbollah pode provocar uma mudança semelhante. A situação é mais problemática com os palestinianos, pois a OLP aceitou a solução de dois Estados, mas o Hamas não, e provocou a guerra atual.A sua experiência como agente da Mossad é a base principal de tudo, ou teve de estudar técnicas de escrita para transformar o que experenciou em livros?Escrevi quatro livros antes de entrar para a Mossad: duas novelas, um romance e uma coletânea de contos, a maioria dos quais recebeu excelentes críticas. Assim, tinha uma boa ideia de como transformar a minha experiência num livro ou como imaginar enredos baseados na realidade que conheci.A sua experiência deu-lhe material suficiente ou há sempre espaço para ir mais além e ficcionalizar de forma ousada?Na maioria dos meus livros, tinha uma ideia de uma história adequada para um romance (amor, relações entre pais e filhos, etc.), que situava no mundo da espionagem, o que lhe acrescentava um certo toque de tensão e ação ousada.No livro, fala sobre ex-fuzileiros, ex-paraquedistas e até ex-pilotos. Quem são os recrutas habituais? Diz que um em cada mil candidatos é admitido e que apenas um em cada cem recrutas consegue entrar nas unidades que se infiltram no inimigo.Como a Mossad é extremamente popular e respeitada em Israel, os graduados das unidades de elite das forças armadas tendem a candidatar-se para servir nela. Milhares de pessoas candidatam-se a todos os anúncios da Mossad nos jornais, mas apenas uma pequena percentagem deles possui as qualidades básicas necessárias para o trabalho. Destes, muitos não passam pelo longo processo de seleção. Dos que passam, poucos concluem o longo curso de formação, e muitos deles são veteranos de unidades de elite. No entanto, para operar num país inimigo, são necessárias qualidades adicionais que poucos possuem.Gadi, uma das personagens do livro, quando conhece a mulher, é descrito como um jovem musculado deitado numa espreguiçadeira à beira da piscina a ler O Idiota de Dostoievski em russo. Para trabalhar para a Mossad, o cérebro é tão importante como os músculos?Em muitas operações, especialmente nos países inimigos, o cérebro é mais importante do que os músculos, pois será o cérebro (a sua capacidade de avaliar a situação, de inventar uma história, de se fazer passar por outra pessoa, de mentir) que o livrará de problemas, e não os músculos - quando os polícias armados inimigos o encontrarem..O livro diz que os agentes podem falar com as suas mulheres ou maridos sobre missões. Existe algum limite claro para tal? Precisam de manter uma vida dupla perante amigos e familiares?As mulheres ou maridos dos agentes da Mossad passam pelo mesmo controlo de segurança e, se não passarem, os cônjuges não são aceites. Isto deve-se ao entendimento de que um agente passa por tais experiências que deve poder partilhar. A Mossad não quer que os seus funcionários tenham de levar uma vida dupla em casa - já basta que tenham de levar uma quando estão em serviço. Para os amigos e familiares distantes, geralmente a resposta de que alguém trabalha para o gabinete do primeiro-ministro ou para o Ministério da Defesa é suficiente para que não façam mais perguntas.Uma das suas missões foi entregar o antídoto que salvou o líder do Hamas, Khaled Mashal. Como escritor, tem um livro no qual ficciona um ataque do Hamas aos kibutz no sul de Israel. Como vê o atual conflito em Gaza após o massacre de mais de mil israelitas pelo Hamas que levou ainda 250 reféns para Gaza, um conflito que fez também dezenas de milhares de mortes entre os palestinianos?Não pensei que salvar a vida de Mashal iria mudar a sua visão e influenciar a ideologia extremista do Hamas versus Israel. Foi uma necessidade operacional para salvar a vida de dois dos nossos agentes que foram detidos durante uma operação contra Mashal. Compreendi que o extremismo religioso e o ódio aos israelitas por parte dos apoiantes do Hamas - que são a maioria da população em Gaza (que elegeu o Hamas e transformou as casas em bastiões do Hamas) - impediram e impedirão qualquer coexistência com Israel, e é por isso que ficcionei o cruel ataque de 7 de outubro de 2023, seis anos antes de ele acontecer, no meu romance O Tubarão, publicado em 2017. Não vejo que a atual guerra termine antes de o Hamas libertar os restantes reféns (20 sobreviventes até à data, mas à beira da morte por inanição) e antes de aceitar entregar as suas armas e renunciar ao poder. Como não os vejo a fazê-lo, ideologicamente, e como ainda são apoiados pelos habitantes de Gaza, acredito que veremos reféns e habitantes de Gaza morrerem antes que o Hamas ceda e um regime árabe-palestiniano moderado assuma o poder com colaboração de Israel.Operação Beirute centra-se no Líbano e envolve a luta entre Israel e o Hezbollah, que se mantém até aos dias de hoje. A sabotagem dos pagers, a morte de Nasrallah e a entrada do exército israelita no Líbano foram passos decisivos para eliminar uma antiga ameaça a Israel?O Hezbollah preparou-se durante anos para um ataque a Israel, semelhante ao que o Hamas fez no Sul, e desenvolveu um poder de rockets e mísseis maior do que qualquer Estado europeu, que usou para atacar Israel a partir de 8 de outubro de 2023. Com o seu poder militar, que era maior do que o do exército libanês, os xiitas controlavam o Líbano. Através dos seus ataques precisos aos rockets e mísseis do Hezbollah, Israel desativou esta ameaça; através do ataque aos pagers e pela invasão do sul do Líbano em que Israel expôs e destruiu milhares de posições militares prontas a atacar, e pela eliminação dos seus comandantes, Israel desativou a ameaça do Hezbollah e abriu o caminho para um novo futuro com o Líbano e a Síria.Do Iémen ao Irão, passando pelo Líbano, Síria ou Iraque, são muitos os países da região onde é evidente a atuação da Mossad. Os agentes são especializados em países ou podem operar em qualquer um deles?Alguns especializam-se num único país e outros podem operar em vários..OPERAÇÃO BEIRUTEMishka Ben-DavidLua de Papel 320 páginas 17,50 euros.Há uma nota no final do seu livro sobre a Mossad ter tido acesso prévio. Como funciona para um ex-agente ser romancista?Qualquer livro escrito por agentes de segurança está sujeito a revisão antecipada pela censura militar e pela agência para a qual o escritor trabalhava.Como explica o fascínio geral pela Mossad, tanto na literatura como no cinema e na televisão?Sei que o que a Mossad faz excede o que é descrito nos livros e nos filmes e dificilmente é revelado nas notícias. A razão é que Israel enfrenta ameaças de eliminação, o que traz os melhores para as fileiras da Mossad ou das suas unidades de elite, e precisam de se envolver em operações que um país sem tal ameaça não teria de realizar.Quem considera ser o grande mestre dos livros de espionagem?Não sou um leitor de romances de espionagem, por isso não posso responder. Apenas seis dos meus 25 livros são romances de espionagem e, na sua essência, são dramas realmente “normais” que acontecem aos espiões...