Revelado na edição de 2024 do LEFFEST, Longe da Estrada é um filme de Hugo Vieira da Silva, co-realizado com Paulo MilHomens, uma memória biográfica do pintor francês Paul Gauguin (1848-1903), em particular do período em que viveu em Hiva’Oa, numa ilha da Polinésia francesa. Digamos que há nele um trabalho de “reconstituição histórica” que o inclui no espaço muito vasto, recheado de filmes paradoxais e contraditórios, das “biografias de artistas” que proliferam nos ecrãs, em particular nas plataformas de streaming. Não que Longe da Estrada seja um exemplo típico de tal proliferação: mais (porventura menos) do que uma personagem biografada, Gauguin é uma ausência sedutora que contamina todos os outros — incluindo o espectador. Tudo acontece a partir da ação do escritor, etnógrafo e arqueólogo francês, também médico, Victor Segalen (1878-1919) que desembarca nas ilhas Marquesas, em 1903, ansioso por conhecer Gauguin: ao chegar, é informado da morte do pintor, ocorrida poucos meses antes. Assim, através de um misto de ironia e melancolia, esta é uma biografia assombrada pelo desaparecimento do protagonista. No limite, podemos mesmo dizer que estamos perante uma “anti-biografia” em que Segalen procura definir os contornos de uma personalidade que o fascina, tanto quanto lhe escapa. Nas notas de produção de Longe da Estrada, há algumas palavras de Segalen sobre Gauguin que vale a pena recordar — são do texto “Gauguin no seu último cenário” e surgem no livro Noa, Noa, de Paul Gauguin (ed. Assírio & Alvim, tradução e prefácio de Aníbal Fernandes, 1985): “No seu período maori, triplo – primeira e segunda estadias no Taiti, primeira e última estadia nas Marquesas – a agonia de Paul Gauguin de completo tem isto que exalta a vida humana: o equilíbrio constantemente comprometido e recuperado entre as forças destrutivas e as forças criadoras; entre a ferocidade do pão quotidiano e o imponderável alimento; entre a previdência e a alegria; a profissão, o trabalho e a obra." O filme tem um duplo ponto de partida: a BD Gauguin, Loin de la Route (2013), de Christophe Gaultier e Maximiliem Le Roy, e diversos textos de Segalen, em particular da correspondência escrita entre 1893 e 1912. Nos momentos finais, a voz off de Segalen (interpretado em tom hiper-minimalista por Antoine de Foucauld) recorda a dimensão frustrante da própria biografia: “Tratar quem vive como um morto, que falta de humanidade. Tratar quem está morto como vivo, que falta de discernimento.” Essa frustração é também a luz com que o génio ilumina as nossas incertezas. .'Oh, Canada'. Ser ou não ser herói, eis a questão .‘Dia Zero’: Robert De Niro a presidente.'Flow - À Deriva'. Desenhos animados que chegam da Letónia