Livros que ainda pensam Abril
O pretexto é o melhor, a celebração da Revolução dos Cravos, mas também o de fornecer mais elementos para construir a História sobre a preparação do golpe militar que derrubou o anterior regime, a descolonização que se seguiu, as derivas militares e partidárias que tiveram lugar, entre muitos outros temas que vários livros já lançados a caminho do fim do cinquentenário da Revolução permitem fazer. Vindo os autores de várias áreas da sociedade, o propósito é o mesmo e vale a pena ler estas novidades.
Da Academia, vem Luís Reis Torgal que acaba de publicar Quatro Personagens À Procura de Abril, um volume que confessa resultar de ter cumprido o serviço militar obrigatório na Guiné nos anos 1968-69, e no qual escolhe quatro figuras que muitas vezes “ficaram esquecidas ou só episodicamente lembradas”, mas sobre as quais deseja dar o seu testemunho e englobá-las na história da data. São elas o dramaturgo Luís de Sttau Monteiro, o oposicionista Joaquim Santos Simões, o religioso Mário de Oliveira e o militar Carlos Fabião. A escolha em muito diversa acaba por dar um panorama abrangente do que é o objetivo destas “memórias”: o fim do regime, as derivas da Revolução e, também, sobre o fim do Império português.
Apesar de elencar quatro protagonistas, logo de início informa que evitou escolher “heróis” para a sua narrativa; que o ter estado na Guiné deu-lhe a conhecer o trauma da guerra; que foi também nesse cenário de conflito que teve contacto com algumas das quatro personalidades, e é com eles que vai fazer um percurso pela Revolução. Uma análise feita de “memórias e de historiografia na perspetiva da história política e das ideias” que tem perfilhado. Entre várias conclusões, está a de que cada um deles foi “a seu modo, vencido pela vida ou pelas instituições” apesar de serem “vencedores na sua luta contra o autoritarismo”. O ensaio vai muito além do quarteto, tornando-se num ótimo retrato dos tempos de há cinquenta anos, sem ignorar o antes, o durante e o depois.
QUATRO PERSONAGENS À PROCURA DE ABRIL
Luís Reis Torgal
Temas e Debates
257 páginas
O depois do 25 de Abril é o tema escolhido por três outros autores. Sónia Vespeira de Almeida publicou uma reedição revista e com novas reflexões e estrutura, intitulada Construir a Revolução – O 25 de Abril e a Dinamização Cultural do MFA, tema polémico na sua própria época e que a autora decidira revisitar. Considera que o objetivo da dinamização do MFA deve ser enquadrado no contexto da “Aliança Povo-MFA” e que exigia uma “caminhada até às aldeias” para descentralizar a cultura e “levar ao povo o que é do povo”, de modo a contrariar o “subdesenvolvimento cultural” de uma parte da população portuguesa de então. O que este volume permite no cinquentenário é o destrinçar de uma realidade desde há muito esquecida em confronto com aquela que foi “uma visão hiperbólica da Revolução” ou uma experiência no terreno que tanto foi considerada como folclórica ou até uma repetição de anteriores atitudes coloniais junto das populações dominadas.
CONSTRUIR A REVOLUÇÃO
Sónia Vespeira de Almeida
Tinta da China
229 páginas
A confusão generalizada nas escolas e universidades no pós-25 de Abril é o assunto que Pedro Prostes da Fonseca recorda e analisa em Os Putos do PREC. Entre os portugueses de agora uma boa parte ainda se lembrará de um dos vários cenários de conquistas pelo poder popular no Verão Quente de 1975, o do caos provocado pela rebelião contra o sistema de ensino, visando professores “reacionários”, contestando matérias e currículos. Um movimento que era protagonizado por milhares de jovens com idades entre os 14 e 16 anos e que se junta a outras derivas militares e políticas, só que com uma expressão inimaginável para o cidadão então acostumado a uma disciplina férrea ditada por rígidos professores. O autor recupera incontáveis testemunhos de quem participou nessa enorme sublevação escolar, seja como contestatário, professor, ministro da Educação e até os militares que eram destacados para pôr em ordem a estudantada. Uma radiografia imperdível de um tempo que a maior parte da juventude atual desconhece.
OS PUTOS DO PREC
Pedro Prostes da Fonseca
Guerra & Paz
183 páginas
Talvez o acontecimento que se seguiu à Revolução que ainda continua a gerar dúvidas e a exigir uma investigação seja o 25 de Novembro de 1975, apesar de muitos historiadores o estarem a dar como caso de estudo encerrado. O jornalista Rui Cardoso acaba de publicar uma Breve História do PREC, que desembocará nesta data, e relatada no capítulo O dia em que a revolução trava a fundo. Até lá chegar, o autor descreve o processo revolucionário em curso numa sucessão de capítulos que se refletem bem no título do prefácio, A liberdade passa por aqui, ou noutros títulos: Uma revolução tão portuguesa, Uma onda de lutas populares, ou Canções de Abril e fados de Novembro. Ilustra este volume com muitas fotos, bastantes clarificadoras do estado da nação. Uma das mais curiosas é a de uma manifestação de freiras!
BREVE HISTÓRIA DO PREC
Rui Cardoso
Oficina do Livro
223 páginas
Romance antes de Abril
Uma das frases maiores do anterior regime foi a dita por Humberto Delgado sobre o que faria a Salazar se vencesse as eleições: “Obviamente, demito-o!” Este romance viaja pelas décadas anteriores ao 25 de Abril e utiliza como cenário o ambiente de um país que vai percorrer um caminho obrigatório para a futura revolução. Com uma história de amor em fundo, e muitas evocações de protagonistas revolucionários, oferece ao leitor um bom panorama do que fez chegar os portugueses à gota de água que os levou a apoiar o fim da ditadura em poucas horas.
NADA MENOS QUE A LIBERDADE
Américo Brás Carlos
Minotauro
154 páginas
Ensaio pós Abril
É o segundo volume de uma trilogia sobre o Racismo em Português, desta vez tendo como tema o regresso dos milhares de colonos portugueses que foram para os territórios africanos e que a descolonização que seguiu ao 25 de Abril deu fim ao seu presente. Continuam os depoimentos recolhidos de quem viveu esse tempo, mas avança sobre a grande questão que estava sob o império: o racismo. Questiona também a ausência de um debate fundamental em Portugal sobre o processo de independências ultramarinas e as formas de racismo nacional ainda por fazer.
COLONOS, RETORNADOS E A REVOLUÇÃO POR CUMPRIR
Joana Gorjão Henriques
Tinta da China
101 páginas