Revelado no Festival de Roma de 2024, Ler Lolita em Teerão tem um título que deve ser tomado rigorosamente à letra. Esta é a história de Azar Nafisi, escritora e professora iraniana, nascida em Teerão, em 1948. Depois dos seus estudos nos EUA, na Universidade do Oklahoma, regressou ao Irão em 1979, pouco tempo depois da revolução que depôs o Xá Reza Pahlavi e fundou a República Islâmica do Irão, liderada pelo Ayatollah Khomeini. Lolita, o romance de Vladimir Nabokov, foi, precisamente, um dos livros que Nafisi partilhou com os seus alunos, suscitando medidas censórias por parte das autoridades do novo regime. As muitas atribulações a que, a partir daí, foi sujeita, não apenas na sua atividade profissional, mas em toda a sua vida privada, levaram-na a exilar-se em 1997, tendo adquirido a nacionalidade americana.Ler Lolita em Teerão começou por ser o título das memórias de Nafisi, publicadas em 2003, entre nós lançadas em 2004, com chancela da editora Gótica - manifesto de resistência a um regime repressivo e verdadeiro fenómeno global, o livro está traduzido em mais de três dezenas de línguas. O seu subtítulo, Uma Memória em Livros, ecoa na estrutura do próprio filme, dividido em capítulos identificados através de grandes referências da literatura mundial, incluindo Lolita e também, por exemplo, O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, ou Daisy Miller, de Henry James.Coproduzido por Israel e Itália, realizado pelo israelita Eran Riklis, rodado em Roma, nos estúdios da Cinecittà, o projeto tem tanto de emocionalmente cativante como de cinematograficamente convencional. Estamos, de facto, perante um empreendimento que está mais próximo das regras correntes do telefilme de cariz “biográfico” do que dos frescos histórico-políticos do cinema clássico.Seja como for, Ler Lolita em Teerão tem o cuidado de não reduzir a personagem de Azar Nafisi a mero símbolo de resistência (que também é, obviamente), procurando expor as muitas dimensões das suas vivências, sobretudo cruzando o labor universitário com o universo familiar. Para isso muito contribui a interpretação de Golshifteh Farahani, atriz iraniana (também nascida em Teerão, em 1983), que fomos conhecendo através de produções das mais diversas origens, incluindo Shirin (2008), de Abbas Kiarostami, ou Paterson (2016), de Jim Jarmusch.Especialmente sugestivas são as sequências das reuniões promovidas por Nafisi, em sua casa, durante o período 1995-97, com algumas das suas alunas. O objetivo é partir do poder das palavras escritas e, em particular, das personagens femininas dos livros para discutir o lugar das mulheres na República Islâmica - escusado será sublinhar que o valor crítico dessa discussão não perdeu pertinência nem atualidade. J.L. .Buster Keaton: O cómico mais triste do mundo .Eduardo Serra: O cinema é uma arte da luz