'Killer Joe': um retrato violento da pobreza
O Texas do anos 1990 chega ao Teatro São Luiz com a peça Killer Joe de Tracy Letts e encenação de Miguel Graça. A peça vai estar em cena de 14 a 22 de junho. Killer Joe conta a história da família Smith que vive no Texas em crise financeira. A família é composta por Chris, um jovem com um plano, pelo seu pai Ansel, pela madrasta Sharla e pela irmã mais nova, Dottie. A família cria um plano para obter o seguro de vida da ex-mulher de Ansel, contratando um assassino. Esta é uma peça que pretende criticar a sociedade e mostrar até onde as pessoas estão dispostas a ir em situações de crise.
A ideia para esta peça surgiu já há alguns anos depois de Pedro Caeiro ter visto o filme Killer Joe. “Ele tinha gostado muito. Depois eu e o David Esteves acabámos por ver também. Foi um texto em que nós ficámos muito interessados em saber como seria o original, que é diferente da versão cinematográfica. Acabei por encomendar o texto também, mas era uma ideia distante, que tínhamos, porque sabíamos que isto era um espetáculo que representava muita coisa técnica: tem luta cénica, tem sangue, precisa de um cenário, e tem cinco atores. Quando o Miguel Loureiro foi para o São Luís, tivemos uma reunião e ele aceitou as ideias”, explica Miguel Graça, encenador, em conversa com o DN.
O texto foi traduzido por Miguel Graça, permanecendo o original sem “uma grande adaptação”. “Houve adaptação para a linguagem portuguesa, mas não houve nada que nós acrescentássemos, ou que cortássemos. A própria realidade, os nomes, as músicas estamos a respeitar em grande medida”, acrescenta.
A única adaptação feita na peça foi relativamente à nudez no texto original. “Achei que era mais interessante fazer a coisa de outra forma e acabámos por substituir essas cenas. Por exemplo, Sharla vem com uma T-shirt curta e sem calças. Não acho que se ganhe nada com isso, e portanto há formas de fazê-lo de outra maneira.”
Para o encenador, as maiores dificuldades da criação deste espetáculo foi a compreensão do texto e as questões técnicas. “O primeiro preocupou-me, perceber quem são estas personagens e como os atores podem incorporá-las. A partir daí, começámos a pensar nas questões técnicas, no cenário, nas lutas cénicas, no som e no sangue também. Como é que vamos fazer isto? Mas, felizmente, está tudo já bastante seguro”, sublinha, acrescentando que o dois meses de ensaio foram essenciais. “É raro, hoje em dia, conseguir-se ter este tipo de tempo. As coisas são feitas um bocadinho mais à pressa, também por força do pouco dinheiro que há, e nós conseguimos ter dois meses de ensaio com duas folgas por semana.”
Pedro Caeiro interpreta o papel de Ansel Smith, o pai da família. “É um homem que é bastante focado na televisão. E que perde muitas das coisas que estão a acontecer. O que é também um símbolo para a maneira como ele vive a vida dele”, descreve o ator.
Para Pedro Caeiro, a maior dificuldade da sua personagem é o facto de Ansel ser desatento. “O nosso trabalho de ator é estar concentrado. Então, essa é a maior dificuldade para mim: conseguir fazer o meu papel constantemente desconcentrado.”
Já David Esteves veste a pele de Chris, o rapaz de 24 anos com o plano de matar a mãe. “Tenta convencer as pessoas à volta dele que isso é a solução ideal para eles conseguirem ter uma vida melhor e conseguirem alcançar os objetivos que, no fundo, nunca conseguiram atingir”, conta o ator, acrescentando que a família Smith é um espelho da pobreza. “É da pobreza dos Estados Unidos, mas que podia ser a pobreza de tantas outras famílias. Ele é uma personagem que viveu a vida toda sem conseguir alcançar aquilo que queria.”
A maior dificuldade para David Esteves é o facto de esta personagem ser “catalisadora de todas as ações. Isso foi uma dificuldade para mim, porque acho que é a personagem, se calhar, menos definida”.
Dinarte Branco faz o papel de Joe Cooper, o assassino contratado para matar a mãe. O ator diz que é uma personagem desafiadora. “Acho que não dá para fazer um estereótipo, não dá para fazer a construção de um cliché da figura do mau. O que me interessa é acreditar e tentar que os outros acreditem que é possível as pessoas estarem dispostas a tudo.”
Inês Pereira interpreta Sharla, a madrasta de Chris e Dottie. “É uma mulher que é vítima, também, das circunstâncias de pobreza e da forma como eles vivem. Acho que ela encontra aqui uma forma de sobreviver”, disse a atriz.
Inês Pereira afirma também que não quer cair nos estereótipos. “É fácil tornar as coisas muito planas e sem dimensão. Aquilo que eu quero é criar mais planos e criar dimensões.”
Dottie, a filha mais nova de Ansel e irmã de Chris, é interpretada pela atriz Madalena Almeida. “Acho que existe uma tentativa de a proteger, por parte da família, quase como se ela fosse muito infantil e não conseguisse perceber o que é que se está a passar e, com o decorrer da peça, percebemos que ela é muito mais atenta e perspicaz do que eles pensam. Acho que todos eles acham que estão sempre a fazer o melhor uns para os outros, mas acabam sempre por magoar alguém pelo caminho. E neste sentido acho que ela é muito prejudicada”, descreve a atriz.
Madalena Almeida afirma que é fácil criar ideias preconcebidas com este papel. “Quando lemos a personagem pela primeira vez, achámos que ela podia até ter algum atraso cognitivo, mas depois percebemos que não.”
Relativamente à violência e cenas de luta representadas na peça, o elenco explicou que trabalharam com um coordenador para desenhar as lutas técnicas. No entanto, é preciso relembrar que todo o enredo é violento. “É como um reality show em que, por cinco mil euros, existem pessoas disponíveis para fazer tudo. Nós vivemos numa sociedade desesperada. E estas pessoas estão todas desesperadas. E isso é muito violento”, disse David Esteves.