Do bailado para o teatro. A nova versão do Lago dos Cisnes chega ao CCB
“Eu te invoco, ó Espírito das Águas, Fonte da Vida e da Metamorfose”, começa assim a peça do Lago dos Cisnes, que estreia amanhã no Centro Cultural de Belém (CCB) e ficará em cena até sexta-feira.
A peça Lagos dos Cisnes é uma produção do Teatro do Vão, com direção artística de Daniel Gorjão e texto de André Tecedeiro. Esta inspira-se no bailado de Tchaikovsky. A ideia surgiu da vontade de Daniel Gorjão de trazer esta obra para o teatro. “Um bocadinho no sentido inverso ao que se costuma fazer. Fazem-se versões do Romeu e Julieta e outras peças para a dança. É raro trazer-se histórias que são marcadamente do repertório da dança clássica para o teatro”, afirma Daniel Gorjão, explicando que desafiou André Tecedeiro para escrever um texto.
Esta versão de Lago dos Cisnes, apesar de seguir a narrativa do amor proibido do original, fá-lo mudando o género destas personagens. O original segue a história de amor entre o príncipe Siegfried, que se apaixona por Odette, uma princesa enfeitiçada por RothBart. Nesta versão podemos ver antes um amor entre Odile e Odette.
“Nós brincamos um bocado com o género das personagens no original. Nós queríamos trabalhar com estes atores e decidimos não mexer no género. Interessávamo-nos muito que Siegfried fosse esta personagem trans, não-binária, fluida”, sublinha o diretor.
Ao contrário do original, nesta peça o feiticeiro RothBart foca-se em ser uma “mãe tóxica que tenta dominar os filhos”.
Daniel Gorjão explicou que são personagens metamórficas. “É quase como se fosse uma metamorfose em família nossa. Acho que isso depois nasceu, mesmo com o texto do André, esta vontade de falar desta transmutação, desta coisa que estamos sempre a mudar.”
Daniel Gorjão propôs este espetáculo a Tiago Rodrigues há cerca de 10 anos. O diretor artístico convidou inicialmente Dulce Maria Cardoso para escrever a peça. No entanto, com o passar do tempo, viu um espetáculo de André Tecedeiro. “Gostei muito da escrita dele. Encomendei-lhe o texto já há uns anos, agora estamos a produzir e aconteceu."
Esta versão toca em temas como questões de género, família e amor. “Acho que agora até é um espetáculo que comunica mais com o tempo atual do que se eu o tivesse feito há 10 anos”, acrescenta o diretor artístico.
A peça é acompanhada por música do compositor e pianista Máximo. “Nós tivemos uma longa conversa sobre aquilo que eu pretendia para o espetáculo e ele foi entregando. Não foi preciso pedir muitas coisas ou indicar muitas coisas”, sublinha o diretor artístico.
A peça conta com a interpretação de Batata, Duarte Melo, Inês Cóias, Rita Carolina Silva e Zé Couteiro. Os atores foram escolhidos através de uma audição. “Eu queria mesmo encontrar corpos reais. Se não fosse uma audição, se calhar há pessoas que eu não ia mesmo saber que existiam”, explica.
O texto da peça foi ainda adaptado aos atores escolhidos. “André Tecedeiro chegou com umas páginas escritas, que nós apresentávamos aos atores, e havia uns que não se sentiam confortáveis com isto ou com aquilo. Tendo em mente a história que nós queríamos contar, também queríamos ter os inputs dos atores para trazer para dentro da história”, conta Daniel Gorjão.
Apesar de não ser um bailado, esta peça contém também aspetos coreográficos. O elenco teve uma preparação para os movimentos coreografados por Daniel Gorjão. “Acho que também é um desafio para eles, prepará-los até terem uma certa ideia do movimento, um certo tipo de linguagem. O grande propósito do espetáculo era esse: dar um código de movimento a pessoas que não são treinadas. Eu gosto, porque, para mim, é bonito.”
O preço dos bilhetes varia entre 12 e 15 euros. Depois de passar por Lisboa, a peça irá em digressão por Ovar, Penafiel e Loulé.