Amigos, livros, idas ao cinema, noites longas, concertos intimistas, pessoas que se desencontram e reconectam... Que filmes ainda contemplam tudo isto na sua duração única? Se quiséssemos resumir o que passa pela lente de Jonás Trueba (n.1981) ao longo de uma filmografia com pouco mais de uma década (sem contar com a curta-metragem que realizou isoladamente em 2000, Cero en Consciencia), talvez esta lista de motivos não estivesse longe do espírito desse cinema que acredita no poder das coisas simples, nos pequenos grandes acontecimentos e nas afinidades humanas que contrariam a apatia do mundo contemporâneo. Um cinema a trabalhar o artesanato das emoções, inspirado por pensamentos de diferentes autores e que nunca nos deixa sem uma canção para regenerar a alma – a partir de dia 9, as longas-metragens do cineasta espanhol poderão ser descobertas na primeira retrospetiva da sua obra em Portugal..Programada no âmbito do LEFFEST, em Lisboa, onde Trueba também integrará o júri da seleção oficial, esta viagem pelos seus filmes está repleta de uma seiva geracional, ou “documentação da amizade”, que começa mais ou menos com Los Ilusos (dia 13, 16.30, Cinema São Jorge). Nesse retrato de 2013 de um grupo de jovens à procura da ideia de um filme, que se confunde com o vigor e alegria intelectual de uma obra da Nouvelle Vague, estão as bases de tudo o que veio a constituir o cinema de Jónas até hoje: um mapa de encruzilhadas entre o passado e o presente, o futuro e um certo romantismo quotidiano, que puxam por uma melancolia amena e urbana. Não admira por isso que “Los Ilusos” seja mesmo o nome dado à produtora independente que formou com Javier Lafuente, outro convidado do festival..A textura fraternal dos atores.Seguindo a ordem cronológica dos afetos desta filmografia, Los Exiliados Románticos (dia 17, 19.30), de 2015, surge como um road movie existencial em que três amigos se lançam numa aventura com destino a Paris, movidos por um fantasioso desejo de despedida dos amores fugazes da juventude – tem um dos belos momentos musicais que sempre florescem nesta obra, ao estilo de Kaurismäki, e remete-nos para o título da primeira longa de Trueba, de 2010, Todas las Canciones Hablan de Mí, também contemplada na retrospetiva (dia 10, 16.30)..O que esse título de estreia não tinha ainda era a textura dos atores cúmplices que vieram a dar uma pulsação especial à unidade da sua obra. Entre eles destacam-se Vito Sanz, Francesco Carril, Isabelle Stoffel e, claro, Itsaso Arana (presente no LEFFEST), que a partir de 2016, em La Reconquista (dia 16, 14.00), se tornou uma atriz vital para Trueba, como se pressente no plano de abertura: o rosto de Itsaso de perfil, a verter lágrimas, enquadrado por uma parede azul. É tão bonito como tudo o resto. A história do reencontro entre um homem e uma mulher que na adolescência enviaram cartas ao futuro; ou a história de uma longa noite de reconexão, com uma coreografia incerta, que agradará certamente quem apreciou Vidas Passadas, de Celine Song..De novo com Itsaso Arana como protagonista, La Virgen de Agosto (dia 14, 16.30), de 2019, faz-nos saborear o verão em Madrid, cidade por excelência das deambulações da câmara de Trueba, aqui observada numa época em que os madrilenos costumam procurar férias noutro lugar – torna-se então o cenário magnífico de uma introspeção feminina, que evidencia o veludo da sua atriz. A mesma que reencontramos nos dois últimos filmes do realizador: Têm de Vir Vê-la (dia 9, 22.15), o único estreado entre nós, e Volveréis (dia 16, 16.00), uma comédia de recasamento inspiradíssima num livro de ensaio do filósofo Stanley Cavell, Buscas da Felicidade, sobre o qual uma personagem de La Virgen de Agosto falava com prazer... .São estas ligações internas que também fascinam. Jonás Trueba, filho de cineasta, Fernando Trueba, é um cultor da literatura, da música, e do próprio cinema, que faz da citação um elemento poético. No meio de tantas pequenas maravilhas em forma de filme, o seu projeto mais ambicioso será Quién lo Impide (dia 17, 13.00), uma mescla de documentário e ficção em torno de adolescentes, que demorou cinco anos a registar, num gesto não muito distante daquele que se vê em La Reconquista: aqui estão cartas enviadas ao futuro.