Joana Vasconcelos é uma das artistas portuguesas mais internacionais, mas o processo para lá chegar não foi fácil. Tudo começou com a peça A Noiva, o lustre feito com 14 mil tampões, para os quais não tinha dinheiro, mas que foi pedir à Johnson & Johnson. A peça foi exposta no Lux – discoteca da qual ela foi chefe de segurança, recorda a artista – e foi vista por Rosa Martínez, uma importante curadora de arte espanhola que estava em Lisboa a ver o que se estava a passar na cena artística nacional. A peça que mais lhe chamou a atenção não estava numa galeria, mas no Lux, e foi esta coincidência que traçou o rumo artístico de Joana Vasconcelos. Rosa Martínez viria ser a primeira mulher comissária da importante Bienal de Veneza, em 2005, e a artista portuguesa foi convidada para expor a A Noiva. A presença naquela importante exposição deu-lhe visibilidade – passou a ser conhecida como “a artista do tampão”. Joana Vasconcelos conta este início de percurso sentada num sofá Roche Bobois, desenhado por ela, na entrada do seu atelier, em Lisboa, na semana passada. Na assistência estão dez artistas, as finalistas da bolsa WAF - Womens in Arts Fellowship. Está a dar uma masterclass no âmbito desta iniciativa, de que é mentora. Os sete dias que esteve na Bienal de Veneza, há duas décadas, foram passados entre muitas lágrimas, lembra Joana Vasconcelos, que não estava preparada para o que ia encontrar. Ficou colada à sua peça, logo à entrada da exposição, da abertura ao fecho, para falar do seu trabalho, à falta de outros materiais de apoio. E diz que naquela semana percebeu tudo aquilo que lhe faltava para singrar no altamente competitivo mundo artístico internacional. A artista partilha agora tudo o que aprendeu com as dez finalistas da WAF, sempre com muitas histórias em torno das suas peças. Por exemplo, sobre o Coração Independente, inspirado no coração de Viana, peça icónica da filigrana portuguesa, feito com talheres de plástico. De como os moldou com um secador de cabelo e de como precisava de uma cola especial para os colar. Foi à Whürt, explicou o que precisava, e passada uma semana recebia um produto feito à medida pela equipa técnica da casa-mãe da multinacional, na Alemanha. Acontece que o senhor Whürt era colecionador de arte, até tinha uma casa em Portugal, na Quinta do Lago, no Algarve, e acabaria mesmo por lhe comprar uma peça. A obra levou quatro mil talheres e demorou seis meses a ser concluída. . E depois vieram muitas outras obras, como os sapatos feitos com panelas da Silampos. “Não se pode ficar no primeiro sucesso”, avisa Joana Vasconcelos. Usou panelas das linhas doméstica e industrial daquela marca portuguesa e, apesar da resistência inicial, até conseguiu que as pegas da gama industrial fossem mudadas para serem iguais às da doméstica para que o salto do sapato ficasse como acabou por ficar. “A relação entre escultura e indústria é muito importante”, sublinha.Joana Vasconcelos voltaria à Bienal de Veneza várias vezes, em 2013 em representação de Portugal, com 150 mil euros do governo para produzir uma obra. A artista levou até Itália a peça Trafaria Praia, nada mais nada menos do que um cacilheiro de 1960 transformado em pavilhão de Portugal, revestido com o grande panorama de Lisboa (vista da cidade, a partir do rio Tejo, antes do terramoto que a destruiu em 1755), em azulejos Viúva Lamego pintados à mão, e que custou 2,5 milhões de euros. A artista conta como a ida a um programa televisivo do humorista Herman José pôs em marcha uma onda de apoios - em Portugal e fora de Portugal - que lhe permitiu financiar a obra que excedeu em muito o orçamento. E até uma médica jubilada se solidarizou e mandou-lhe um cheque de mil euros pelas recordações de ter andado naquele barco, recorda a artista. Apesar do seu sucesso, Joana Vasconcelos conhece bem as dificuldades do mundo da arte, especialmente para as mulheres, e daí ter aceitado de imediato o convite para participar na primeira edição da WAF, como madrinha. "Vou mostrar um bocadinho da minha obra e do meu percurso para inspirar as próximas artistas a seguir esse caminho", disse ao DN.A WAF é uma iniciativa do Freeport Lisboa Fashion Outlet e Vila do Conde Porto Fashion Outlet, em parceria com a SOTA – State of the Art e a Portugal Manual. Joana Vasconcelos diz que "a desigualdade é tão grande, o gap entre os homens e as mulheres é tão grande, que só este tipo de iniciativas é que o vai encurtar." . A artista não tem dúvidas de que vingar no mundo da arte "é 95% mais difícil para as mulheres do que para os homens, porque é uma área completamente dominada pelos homens, a produção masculina é em maior número, porque os locais de poder são detidos pelos homens e porque o lado financeiro, as grandes coleções, também são detidas por homens. Portanto, inevitavelmente, a escolha é sempre no masculino", acrescenta Joana Vasconcelos. "Apesar de já haver muitas mulheres como comissárias de exposições e diretoras de museus, os lugares cimeiros do poder são de homens", sublinha. E mais ainda no segmento em que a artista atua. "É muito difícil, e na na área onde eu estou, na escultura monumental, isso ainda é mais verdade. Porque aí já estamos a lidar com o espaço público, e o espaço público, começa-se a lidar com quem? Com os presidentes de câmara - 95% homens. É quase impossível uma mulher entrar no espaço público", defende. A WAF recebeu mais de 230 candidaturas e foram selecionadas as dez finalistas por um júri constituído por Joana Vasconcelos e representantes das entidades promotoras da bolsa - Astrid Sauer (Sota), Filipa Belo (Portugal Manual) e Teresa Santana (Via Outlets). As três afirmam que a escolha das dez entre as mais de duas centenas de candidaturas foi difícil. Já Joana Vasconcelos diz o contrário. . "Foi muito fácil, para mim foi muito fácil. Mas se calhar estou mais acostumada a ver peças. Faz parte do meu trabalho ver exposições, ver artistas, faz parte do meu dia a dia. Ainda agora vim da Coreia, estive três dias a ver exposições, galerias, é muito a minha dinâmica. Por isso, consigo distinguir as coisas", diz.E o que procurou o júri? "Procuramos diversidade, originalidade, uma voz própria, capacidade de trabalho. Não é só a criatividade que serve. Há também uma dedicação e uma maneira de olhar para o mundo que é fundamental para se conseguir ser artista, porque hoje em dia gente criativa há muita. Ser artista é uma outra coisa". As dez candidatas à WAF são Ana Leça (pintura, instalação, desenho), Beatriz Narciso (pintura), Elizabeth Prentis (performance, escultura, instalação), Flávia Costa (desenho), Ilfu-Soi Studiol (Jéssica Ilfu-Soi, (escultura), Joana Dionísio (fotografia), Joana Paraíso (pintura, desenho), Patrícia Pettitt (fotografia), Vânia Reichartz – Têxtil (instalação, escultura), e Vera Fonseka (pintura, colagem). Todas dez beneficiaram de formação nas áreas de identidade artística, de criação de portefólio, comunicação digital e sustentabilidade financeira. Destas sairá a vencedora, que receberá um total de apoios de perto de 30 mil euros. Será anunciada no dia 15 de outubro e terá o seu trabalho exposto no início do próximo ano. .Alice dos Reis: “Parte do meu trabalho serve um propósito quase psicanalítico”.Nos limites do desenho. Diogo Pimentão vai expor a solo no CAM