Cinco novos livros para ler na praia
É um verão literário tão irregular como a estação em que estamos, daí que haja alguma dificuldade em encontrar livros fascinantes para ocupar um bom dia de praia entre os que têm chegado às livrarias nos últimos meses. Escolher um bom romance entre os autores portugueses é coisa difícil, pois são raros os títulos interessantes, no entanto há um que surpreende. O mesmo acontece com o regresso de um romancista de Cabo Verde, que lançou um dos livros mais divertidos do ano. A boa surpresa vem do país vizinho que, por coincidência, teve traduzidos dois romances de fôlego e que não deixam o leitor em paz enquanto não os terminar. De mais longe, da Indonésia, veio um romance que se lê como uma fábula misteriosa de tão intrigantes que é.
O grande romance
A Gargalhada de Augusto Reis, de Jacinto Lucas Pires (Porto Editora), é um dos grandes romances desta primeira metade do ano. Com as transformações sociais em diferentes épocas de Portugal como pano de fundo, a narrativa começa com as desventuras de um poeta/banqueiro que se confronta com as mudanças da sociedade após o 25 de Abril de 1974, sem uma exagerada preocupação descritiva ou militante da revolução; com uma cineasta sempre em busca do grande tema para filmar, e um jovem negro influenciado pela poesia do poeta/banqueiro. Alternando três tempos e um trio de personagens, vai-se conhecendo a vida de Augusto Reis, o poeta que entre na vida da cineasta e do jovem, através de uma técnica de capítulo curtos, com episódios inesperados e que fogem da vulgaridade. Pode dizer-se que o escritor surpreende pelo modo como o seu romance exige atenção, mesmo estando o leitor de férias.
A história diferente
O romance Homem-Tigre, de Eka Kurniawan (Editora Elsinore) foi uma boa surpresa ainda o ano ia no princípio. Tem a particularidade de oferecer um cenário diferente, o de uma Indonésia rural e desconhecida dos leitores portugueses, bem como uma história inesperada. Só o título já cria curiosidade, sendo que o desenvolvimento dos acontecimentos irão fazer com que o leitor adie um pouco a ida ao mar para saber o que vai seguir-se, pois a morte de um artista por um alegado assassino que nos é simpático só vai sendo desvendada aos poucos e até se o saber sofre-se bastante. A par da ação, há a possibilidade de "viajar" por um outro lado de um país que os turistas desconhecem e que é muito bem pintado por um dos autores de uma literatura muito desconhecida em Portugal.
O caso inesperado
O título escolhido por Antonio Muñoz Molina, Como a Sombra que Passa (Editora Ponto de Fuga) é uma metáfora muito morna tendo em conta o que vai relatar no seu romance: os dias que o assassino de Martin Luther King passou em Lisboa escondido durante a sua fuga após a morte do conhecido líder dos direitos civis nos Estados Unidos. Tudo começa a 4 de abril de 1968, quando James Earl Ray comete o crime e foge para o Canadá e daí para Lisboa, onde quer obter um visto para Angola. Molina reconstrói de uma forma quase detetivesca esta estada, percorrendo os hotéis, bares e outros locais onde Ray tenta não ser mais do que uma sombra. O autor coloca nas páginas do romance imensos detalhes que descobriu nos arquivos do FBI e oferece ao leitor o relato de uma capital que a maioria dos portugueses já esqueceu, com a particularidade de revisitar locais onde o fugitivo esteve e que ainda existem.
Um texto endiabrado
O escritor cabo verdiano Germano Almeida publicou há poucas semanas o seu mais recente romance, intitulado O Fiel Defunto (Editorial Caminho), no qual se diverte a entreter de forma maldosa o leitor. Maldosamente porque descreve a morte de um romancista logo às primeiras páginas e só no fim é que explica a razão principal para este estranho comportamento por parte do seu melhor amigo. A narrativa é por vezes hilariante, mas o principal dom do autor é saber desenvolver uma história em que a geografia de Cabo Verde surge a tempo inteiro; onde são dissecados os comportamentos de gente apaixonada e capaz de situações que vão surpreender o leitor. Que, como todos os que assistiram aos disparos, fica ignorante e vai ler este livro a correr para perceber o que verdadeiramente aconteceu.
Iluminar as catedrais
O título e a capa do mais recente romance de Gonzalo Giner, As Janelas do Céu (Editora Planeta) permite antever parcialmente a trama que o autor escolheu para o seu mais recente romance: a arte do vitral. O espanhol tem a particularidade de ser escritor a meio tempo e exercer no restante a profissão de veterinário, daí que coloque sempre animais nos seus livros, que não tendo o papel principal acabam por moldar os personagens. Desta vez usa um falcão para ensinar ao protagonista os dotes da paciência e da capacidade de acertar nas suas escolhas, um jovem que abandona o negócio da família e procura o seu próprio caminho. Mas o grande tema é a arte do vitral, tão necessária nos tempos medievais em que a ação se passa, de modo a iluminar as grandes e escuras catedrais, uma necessidade arquitetónica que oferece ao leitor ensinamentos inesperados sobre o modo como se criavam estas janelas de vidros coloridos num tempo em que a tecnolgia era básica e a inventividade muita.