"Eu não sou daqui. Sou tipo a grana deles. Corre sangue em mim. Igualmente vermelho. Um dissidente de onde eu vim aqui o estrangeiro. O forasteiro insubmisso. O gueto no bairro chique de Fortal. O pirangueiro em São Paulo ou Paraíba . Em Portugal o brasileiro, nada disso. O bandido pra apontar o dedo. O meliante bon vivant, o errante imigrante”. Este é o trecho da música Imigrante, do rapper brasileiro Don L, que inicia em Lisboa esta sexta-feira, 05 de setembro, uma digressão europeia. O artista quer apresentar aos imigrantes brasileiros - mas também aos fãs de outras nacionalidades, o álbum Caro Vapor II - qual a forma de pagamento.Em entrevista ao DN, o artista destaca que é especial começar as apresentações na Europa por Portugal, país que partilha o mesmo idioma com o Brasil, além de ter o maior número de imigrantes brasileiros na Europa. “Acho que a imigração é um grande tema do nosso tempo. Eu obviamente tenho a minha experiência própria dentro do próprio Brasil, de migrar de um lugar para o outro. No Ceará, todas as famílias têm alguém que mudou, muitos até para Portugal”, destaca.Mesmo morando em São Paulo, distante da Europa, onde os movimentos anti-imigração ganham força a cada dia, o brasileiro vê o tema com preocupação, sem deixar de fazer analogias com o cenário internacional. “Esse é o grande tema, porque isso é o reflexo daquilo que foi construído com a colonização dos povos. E mesmo que tentem ensinar isso de outra forma, sem brutalidade, a realidade é muito incontornável”, analisa.O pensamento de valorização do Brasil e da história brasileira também está presente nas letras das músicas do novo álbum. Na faixa Kendrick e Kanye, a valorização é do país enquanto integrante da América do Sul e do Sul Global. “Acho que o Brasil fica muito separado dos países de língua espanhola, mas temos que lembrar que as nossas lutas são muito parecidas, a gente precisa de unidade”, sublinha. E acredita que é exatamente este o momento. “É um momento muito óbvio para isso, porque estamos sob um ataque imperialista”, diz, em referência aos ataques de Donald Trump ao Brasil. “Na verdade, sempre existiram ataques imperialistas na América Latina, mas alguns eram mais velados, agora é totalmente aberto”, complementa.E esta latinidade está não só nas letras, mas também nas melodias. As músicas misturam funk, samba e rap, mas sem os tradicionais beats americanos, do hip hop. “Era essa a intenção, eu não queria nenhuma batida gringa. Virou até um jargão, assim, que toda a vez que eu estava com os produtores, que a gente estava criando algo e alguém batia ali um negócio meio boom bap, eu falava sem batidas gringas nesse disco”, explica.Segundo Don L, esta escolha deu-se “pelo momento que o Brasil vive”, mas também para valorizar a música brasileira. “A gente precisa muito estar a todo momento lembrando do que a gente construiu em termos de cultura, que é uma das coisas mais impressionantes da história da humanidade, principalmente música. O que a gente fez com o que temos no Brasil é muito, muito grande”, afirma. “Onde você for no mundo, você vai ver as pessoas lembrarem de alguém da música brasileira, e a gente fez isso com muito menos recursos do que a indústria americana, por exemplo”, ressalta.Um trecho da música exemplifica exatamente este pensamento. “Brasil. É de onde eu vim. Pra desenrolar aqui é mais que Tony em Scarface é Fidel em Cuba. É nós contra o mundo. E esse placo é nosso, vagabundo. Eu sou do sul da América”. Ainda sobre diversidade, o álbum tem a participação de diversos artistas, em especial mulheres, em ascensão na carreira. É o caso de Mc Drika, com quem partilha a canção melhor Vida, uma das faixas mais sensuais do disco e com batida de funk. Já em dias de verão, a voz suave deixa a música ainda mais leve, como um dia de verão. Anelis Assumpção é a voz especial em tristeza não, enquanto a conhecida artista Alice Caymmi faz uma participação especial na faixa saudades do Mar. Segundo Don L, as escolhas são a partir do que “cada música precisa”.A digressão do artista começa hoje em Lisboa, no Musicbox, e amanhã o espetáculo será no Porto, no Plano B. Antes de continuar as apresentações no Brasil, Don L passa por Barcelona, Berlim, Amesterdão, Dublin, Londres e Paris. “Queremos ver todos imigrantes os brasileiros por lá”, finaliza. amanda.lima@dn.pt.Criolo: “Espero que um dia imigrante seja apenas o adjetivo de alguém de outro território, não alguém menor” .Marcelo Rubens Paiva: “Acho que o 'timing' de 'Ainda estou aqui' foi fruto do movimento bolsonarista”