Decididamente, este é um tempo de reconversão das alianças fraternais do cinema americano. Será uma quebra de laços criativos? Ou devemos encarar o facto apenas com alguma ironia? O certo é que aí está Honey Don’t!, uma realização de Ethan Coen a solo, portanto sem a companhia do irmão Joel - o último título que dirigiram em conjunto foi A Balada de Buster Scruggs (2018), para a Netflix. Entretanto, nas salas portuguesas, esta é também a semana de estreia de The Smashing Machine, de Benny Safdie, agora “liberto” do irmão Josh.No caso dos Coen, vale a pena recordar que Joel tinha sido o primeiro a experimentar dirigir um projeto em termos pessoais, com A Tragédia de Macbeth (2021), uma estilização bizarra, mas muito interessante, de Shakespeare, protagonizada por Denzel Washington. Quanto a Ethan, já assinou um belo documentário, Jerry Lee Lewis: Trouble in Mind (revelado no Festival de Cannes de 2022) e também Bonecas em Fuga (2024), primeiro capítulo de uma trilogia a que ele e a sua mulher Tricia Cooke, coautora do argumento, chamaram uma “série B lésbica”.Aí está, portanto, Honey Don’t!, segundo título da trilogia, mantendo Margaret Qualley como figura principal, atriz de talento multifacetado cuja carreira deu um salto decisivo depois de ter integrado o elenco de Era uma Vez em Hollywood (2019), de Quentin Tarantino. Agora, descobrimo-la como Honey O’Donahue, investigadora privada que, um belo dia, ao ser convocada pela polícia para observar o cenário de um brutal acidente de automóvel, descobre que a vítima era, afinal, uma cliente com quem marcara um encontro para esse mesmo dia... A partir daí, Honey vai encontrar uma galeria de personagens não muito recomendáveis, incluindo o líder de um culto religioso (Chris Evans).Estamos perante temas e variações do thriller clássico, já não em torno de um herói à maneira de Humphrey Bogart, mas em registo feminino e em tom de comédia negra. À maneira da filmografia dos irmãos Coen, sem dúvida, que muitas vezes exploraram os limites (temáticos ou absurdos) da herança clássica em que se reconhecem - lembremos o exemplo emblemático de Barton Fink (1991).Percebe-se que Ethan Coen, tal como o irmão um cinéfilo apaixonado pela herança plural do classicismo de Hollywood, procura uma espécie de harmonia paradoxal, entre delírio e contemplação, que estará condensada na expressão do título, Honey Don’t!, evocando um clássico do rock’n’roll, gravado em 1956 por Carl Perkins (aliás, escutado na banda sonora). Resta saber se uma preguiçosa coleção de citações em tom mais ou menos caricatural, não poucas vezes formalmente grosseiro, basta para fazer um filme... .'Lavagante'. O nosso passado a preto e branco .'The Smashing Machine'. Com saudades de Rocky Balboa