Ainda não chegou outubro e já as bruxas andam a fazer das suas... Pelo menos, é isso que se vê em Foi Sempre a Agatha, a nova série que dá palco próprio a uma personagem “nascida” na televisão e inscrita no Universo Marvel com a mesma dose de estima que as personagens individualmente contempladas pelas histórias aos quadradinhos. Agatha Harkness, que nos episódios de WandaVision (2021) aparecia como a vizinha coscuvilheira do casal Wanda Maximoff e Vision - uma bruxa de Salém a alimentar segundas intenções nessa vivência suburbana -, surge agora na mó de baixo, com as suas aptidões mágicas definhadas, até que um adolescente intervém, por portas travessas, para a tentar trazer de volta ao ativo. É basicamente o que acontece com as personagens favoritas dos fãs: não se pode deixá-las a apanhar pó.Agatha All Along garante então a Kathryn Hahn um regresso nutritivo e magnético ao ecrã, na pele dessa querida vilã repleta de tons, capaz de nos lançar o feitiço específico dos atores camaleónicos, ou não fosse logo o primeiro episódio uma autêntica façanha de metamorfose de perfil..Na conferência de imprensa virtual onde o DN marcou presença, em agosto, a criadora da série, Jac Schaeffer, começou mesmo por sublinhar o engenho da sua atriz: “Quando Kathryn foi escolhida, tornou-se uma everything-character [personagem-tudo] - ela é tão incrivelmente engraçada e atraente, com aquele estilo meio sitcom kitsch! E depois havia esta enorme abrangência de Agatha, um apetite voraz pelo poder... Kathryn personifica isso tudo: há divertimento e charme, e há também a gravitas. É uma personagem que sinto que podemos explorar para sempre.”.Calma, para sempre pode ser demasiado tempo. Mas para já é justo dizer que a própria Hahn entende Agatha como uma revelação constante, indissociável de um passado longínquo. “Acho que ela é uma performer”, diz. “Não é por acaso que lhe chamamos ‘cebola florescente’. Havia tantas e tantas camadas em WandaVision... Então, para se ver o que estava por baixo, foi preciso começar a descascar as camadas de defesa que foram construídas ao longo dos séculos - sim, porque ela parece fabulosa, mas não é jovem!”.Este lembrete tem sempre piada, porque falar de bruxas de Salém implica assumir o pressuposto de que estamos perante mulheres com idade provetíssima, apesar da aparência impecável (recorde-se Anjelica Huston a tirar a máscara no filme As Bruxas, de Nicolas Roeg...). Que o diga também a atriz e cantora Patti LuPone, talvez a mais airosa das feiticeiras que aqui se vão juntar a Agatha numa jornada pelas armadilhas da Witches’ Road, ou Caminho das Bruxas, com vista à recuperação dos seus poderes.A personificar Lilia Calderu, ela sente-se, no mínimo, genuína: “Bem, eu acho que sou uma bruxa! [Risos]. Acho mesmo; uma bruxa siciliana. Mas enfim, já o achava antes de receber o telefonema da Jac [Schaeffer] e da Mary [Livanos, produtora executiva]. Foi certo como o destino, ou como se o universo estivesse a desdobrar-se: eu tinha acabado de fazer algo em que começava como uma cantora de chuveiro e acabava como taróloga, e de repente encontrava-me num mundo onde tudo era muito semelhante... Não havia volta a dar: foi realmente o destino”, afirma, com toda a propriedade espelhada na cara. Até por causa dela, impõe-se referir os preciosos momentos musicais da série. .Patti LuPone, a "bruxa siciliana"..Por amor à diversão enfeitiçada.A verdade é que as bruxas continuam muito presentes no imaginário popular, não é só uma questão de Halloween. Da literatura de Roald Dahl à comédia Hocus Pocus, a própria Disney tem mantido um vínculo criativo com esse tema. O DN quis então saber o que é que, concretamente, atraiu a equipa de produtores neste domínio tão revisitado pela ficção. “O que eu acho incrível nas bruxas é que elas podem ser qualquer pessoa e qualquer coisa”, respondeu-nos Mary Livanos. “Neste clã, em particular, é maravilhoso que elas sejam todas tão diferentes! Na nossa divertida tradição de bruxaria dizemos que, em qualquer pequeno raio, há um grupo de bruxas com um número suficiente de pessoas para formar uma irmandade. O que revela algo de muito bonito sobre o sentido de comunidade... Os espectadores vão sentir isso quando virem a série.”.Promessa feita por uma produtora que mantém os olhos postos na referência de WandaVision, em relação à qual Foi Sempre a Agatha será um spin-off, mas igualmente uma continuação. “Um pouco como em WandaVision, há aqui uma variedade de tons. Temos a música, embora não seja um musical, temos o drama, embora não seja um drama, temos a comédia, embora não seja exatamente uma comédia... É tudo isso. E o ‘tudo isso’ foi iniciado pela Kathryn, que o incorporou em WandaVision. Desta vez até acrescentámos fantasia e terror àquela espécie de era de ouro de Hollywood”, diz Livanos..A deixa é aproveitada pela protagonista, que confirma a existência de “surpresas old-fashioned emocionantes” na senda da série anterior. Isto numa conferência bem animada em que Aubrey Plaza, a encarnar uma vilã enigmática, se divertiu com o facto de estar ali sentada no painel do elenco e não poder revelar praticamente coisa alguma sobre a sua personagem: “É esperar o inesperado”, limitou-se a sintetizar aos jornalistas. .A bruxaria é uma questão de comunidade..Magia analógica.Para outro dos produtores executivos, Brad Winderbaum, há no entanto detalhes que vale a pena realçar, não se vá julgar Foi Sempre a Agatha por métodos contemporâneos que não estão definitivamente na filosofia de trabalho: “É importante as pessoas saberem, ao ver a série, que não há um único fundo verde no set. Tudo o que se vê foi de facto filmado no momento. E é possível sentir isso, inclusive, nas interpretações - parece tudo muito tátil, muito real, muito alicerçado.”.Uma dimensão que fascina também a criadora, Jac Schaeffer: “Eu sou fã de transformações físicas reais em histórias. E estas bruxas ficam sujas, molhadas, com cicatrizes, arranhadas: são verdadeiras guerreiras!”Por sua vez, Winderbaum não resiste a salientar a originalidade de Agatha, ou melhor, a sua capacidade de existir a título individual, quando lhe faltava aquela base histórica de desenvolvimento de personalidade: “Diria que o maior aspeto diferenciador de Agatha All Along é que ela nunca teve a sua própria história de banda desenhada. Trata-se de um ícone que a Kathryn e a Jac criaram no ecrã em WandaVision, e que foi tão inspirador para todos nós, na Marvel, que tivemos de continuar a sua narrativa. Penso que a Marvel está no seu melhor quando dá vida a estas personagens, e temos artistas fantásticos a oferecer humanidade aos papéis.” Os dois primeiros episódios de Foi Sempre a Agatha ficam a partir de amanhã disponíveis no Disney+, descascando-se semanalmente a totalidade de nove camadas da cebola florescente...