Eis um axioma irónico que podemos aplicar à atual temporada dos prémios de cinema: se os homens não se medem aos palmos, os Óscares também não são uma medida fiável para a importância dos filmes... Ainda assim, convenhamos que não é todos os anos que surge um título capaz de chegar a Hollywood e acumular nomeações para duas das mais cobiçadas (e prestigiantes!) estatuetas douradas. Acontece agora com Flow (entre nós lançado com o subtítulo À Deriva), candidato nas categorias de melhor filme de animação e melhor filme internacional, em representação da Letónia — é a segunda produção a conseguir tal proeza, depois de Flee – A Fuga (2021), proveniente da Dinamarca. Seja como for, para lá das nomeações e distinções já obtidas — incluindo um Globo de Ouro da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood e um Prémio do Cinema Europeu (ambos na categoria de melhor longa-metragem de animação) —, importa sublinhar o essencial: estamos perante uma maravilhosa e genuína fábula de desenhos animados. Além do mais, Flow ajuda-nos a perceber que não faz sentido reduzir o panorama da animação aos títulos provenientes dos grandes estúdios americanos (cujas qualidades não estão em causa), em particular os que exibem a chancela Pixar/Disney. Esta é a segunda longa-metragem realizada por Gints Zilbalodis. A primeira, Away – A Viagem (2019), teve também estreia nas salas portuguesas, revelando uma versatilidade técnica e criativa que se repete em Flow: além de co-argumentista, Zilbalodis assina a direção fotográfica e a montagem, tendo participado também na composição da música. As suas histórias são aventuras de abandono e descoberta, solidão e partilha. No caso de Away, um rapaz, tendo como companhia um pássaro, tentava regressar a casa através de paisagens tão deslumbrantes quanto ameaçadoras. Em Flow, a figura central — um gato de pêlo cinzento acastanhado e imensos olhos amarelos — vê-se sozinho no meio de uma inundação para, a pouco e pouco, integrar um grupo de animais que, entre muitos ziguezagues dramáticos, vão construindo uma insólita comunidade... Usando o software Blender (que pode ser obtido, gratuitamente, na Internet), Zilbalodis faz das fraquezas forças, construindo um filme capaz de pôr em movimento um grupo de personagens e um conjunto de peripécias que reencontram o espírito primitivo da fábula. Tudo isto, importa acrescentar, sem que haja uma única palavra de diálogo — ao contrário do que diz o cliché, o cinema dá-se bem com o tempo em que os animais não falavam. .'Oh, Canada'. Ser ou não ser herói, eis a questão .'Longe da Estrada'. Entre forças destrutivas e forças criadoras.‘Dia Zero’: Robert De Niro a presidente