Depois dos orgasmos falsos (e verdadeiros) de Nicole Kidman no terapêutico Babygirl, a competição ontem serenou com The Order, de Justin Kurzel, um thriller com Jude Law e Nicholas Hoult sobre supremacistas na América dos anos 1980. E arrefeceu porque esta história verdadeira sobre terrorismo interno cometido por supremacistas brancos é um exercício de funcionalismo narrativo sem nada para mostrar. O australiano Kurzel segue todos os clichés do género: um agente do FBI (Jude Law) com problemas pessoais - bebe e fuma muito - um líder nazi (Hoult) com ar de santinho e um polícia novato (Tye Sheridan) com demasiadas boas intenções. São lugares comuns atrás de lugares comuns numa investigação federal que arranca devido a uma pista de assaltos a bancos. Mais tarde, percebem que há uma organização extremista na Nação Ariana a autofinanciar-se com assaltos a bancos e com um plano para derrubar o governo americano. .Saudades de Betrayed.De alguma maneira, é um filme que fica embaraçado na comparação com Atraiçoados, filme de Costa-Gravas de 1988 que também espreitava para o interior desse terrorismo doméstico. Se o cineasta grego era subtil na crónica desse racismo criminoso americano, Kurzel só faz género, sem novidade, sem rasgo, mesmo quando manifesta esse desejo de captar uma memória da História americana para jogar com esta ameaça que se sente como trumpismo que quer voltar. The Order é um equívoco estar em competição. Talvez valha apenas pelo trabalho de Jude Law, ator que faz das marcas da idade um trunfo calejado. É daqueles casos em que basta respirar para ficarmos tomados pela personagem..O excesso sensorial de Korine.Harmony Korine, cineasta a interessar-se pelos efeitos da Inteligência Artificial..Mas uma das sessões com maior fila de espera de desistências (a única forma de entrar nas sessões todas previamente esgotadas antes do começo do certame) foi a de Baby Invasion, a nova experiência visual de Harmony Korine, risco sem cálculo mostrado fora-de-competição. O cineasta de Spring Breakers está numa fase de filmes experimentais agudos, este a imaginar e a colocar-nos dentro de um videojogo ultraviolento onde os participantes tornam-se assaltantes de mansões e matam quem aparece à sua frente. Tal como no anterior, Agro Dr1ft tudo em modo de câmara subjetiva e ao som de música eletrónica com volume insano dos Burial, mas desta vez sem pistas narrativas ou outro tipo de bóia de salvação para o público. Um salve-se quem puder que só poderá impressionar quem não viu a experiência anterior. No limite, é mesmo isso: apenas um filme de cobaia de festival. Só mesmo os fãs mais acérrimos do cineasta o desculpam por esta teimosia aguda. Talvez numa galeria, talvez….Lennon para sempre.Na secção documental entusiasmo generalizado por One to One - Yoko & John, de Kevin MacDonald, odisseia de imagens de arquivo sobre o começo da vida de John Lennon e Yoko Ono em Nova Iorque. Um prodígio de velocidade de edição, um pouco para rimar com o conceito de zapping - o casal ficou viciado na possibilidade de ver televisão 24 horas por dia no seu pequeno apartamento de Greenwich Village. Um zapping sobre a América de Nixon e dos pacifistas, entrelaçado por excertos do concerto de Lennon One to One a favor das crianças deficientes mentais. .Kevin MacDonald, cineasta de O Último Rei da Escócia aproveita toda a carga mitológica para nos lembrar da força de uma América contestatária, a mesma América que contagiou Lennon. Um objeto a todos os níveis vertiginoso feito para pensarmos nesta América de hoje. É só pena às vezes perder-se por aspetos co-laterais, sobretudo as questões em torno do mistério do desaparecimento da filha de Yoko Ono. Ainda assim, evita sempre a nostalgia mais manipulativa..Em Veneza