Como um filme de tribunal. Ou será uma história de amor? Mas também há hipótese de ser melodrama. Se calhar, prison movie… Tragédia americana? Talvez cinema dos anos 70. Uma coisa é certa, garantida: Joker: Folie à Deux é um musical que também é opereta. Enfim, pode ser isso tudo menos sessão de super-heróis, como também nunca foi o anterior de Todd Phillips, na altura Leão de Ouro e, agora à distância, o filme americano mais “importante” do novo século. Esta sequela que põe Joker e Harley Quinn, outra vilã dos comics, a cantar, pode não estar à altura do primeiro mas é seguramente um dos filmes maiores desta competição (advinha-se que será difícil o júri de Isabelle Huppert repetir o ouro, mas fica a dica: a interpretação de Joaquin Phoenix é tão descaradamente genial que lhe ficava bem o prémio, ele que em 2019 não venceu a Copa Volpi por exclusão de partes: o Leão de Ouro foi para o filme e só pode haver um prémio no palmarés por título)..Eles cantam porque estão apaixonados: Arthur Fleck, que afinal é Joker e depois talvez já só esteja em crise identitária, e Harley. Conhecem-se na prisão e ela quer fugir com ele. O plano é construírem uma montanha. Lá fora, no julgamento, Joker e a sua loucura continuam a ter fãs - é como se fosse uma estrela pop que incita uma revolução em Gotham (Batman continua a dar pistas mas cá não mora). Por entre as canções, de Brel ao tema de A Roda da Fortuna, de Minnelli, passando por Tom Jones ou Daniel Johnston, sobretudo standards, eles dançam. Dançam com uma escala que monta o Olimpo do musical clássico de Hollywood. Mas é na sua psicótica violência e negritude que frui o peso da capa trágica do filme. Uma tragédia que é romântica, inesgotável e sumptuosamente coreografada. Provavelmente, Joker - Loucura a Dois vai ser um êxito popular ao nível do original, mesmo quando parece que Phillips e Phoenix estão mais interessados em fazer um tratado de movimento dentro de um plano de cinema. É ver como o corpo esquelético deste Joker encarcerado se dispõe nesta coreografia, tão perto do sonho, tão dentro do pesadelo chuvoso. Na conferência de imprensa, é Gaga quem diz que é o espectador quem tem de fazer o juízo de valor à mensagem da história: “fizemos este filme sempre com liberdade de acrescentar coisas diariamente para que ficasse o mais honesto possível”..O fantasma do fascismo de hoje.Ontem também foi o dia de uma das obras mais aplaudidas da competição, Jouer Avec le Feu, de Delphine e Murel Coulin, drama sobre o amor incondicional de um pai. Vincent Lindon, espantoso como agora é sempre, a descobrir que a guerra, esta guerra divisória em França, começa em casa quando percebe que o seu filho é da extrema-direita radical. Mais um filme de Veneza a falar da chegada do fascismo. Um fascismo que nesta câmara traz morte e o mal..Aliás, grande parte destes filmes desta fornada de Veneza trazem essas metáforas sobre o fim da democracia. Mesmo o novo Joker propõe o mesmo recado, mas no filme da irmãs Coulin filma-se mesmo a semente do extremismo perto de uma família criada com amor. É ainda o filme que confirma Benjamin Voisin como novo talento francês indispensável, ele que já se fazia notar em Ilusões Perdidas, de Xavier Giannoli..O porno italiano perdido (e atraiçoado).Só não dá para se pôr a mão no fogo pela qualidade total da seleção oficial porque foi, entretanto, mostrado Diva Futura, de Giulia Louise Steigerwalt, sobre a cena porno italiana dos anos 1980-90, centrando-se na vida do agente Riccardo Schicchi, o homem que descobriu Moana e Ciccolina, duas porno-stars que tentaram a vida política. Um biopic de tendência académica, apenas ocasionalmente curioso e sem discurso sustentado na forma como a liberdade sexual em Itália regrediu. Além do mais, o seu argumento gere mal o desencanto de Eva Enger, estrela porno que se tornou depois na herdeira das dívidas do império da Diva Futura, a empresa de Schnicchi, interpretado com arte e bom senso por Pietro Castellitto. Foi pouco aplaudido, tal como, curiosamente, este Joker….Em Veneza