Projeto falhado que não cumpre o compromisso do “twist” ao western spaghetti revisto...
Projeto falhado que não cumpre o compromisso do “twist” ao western spaghetti revisto...

Era uma vez o falhanço do novo western spaghetti

Está na Filmin este filme da seleção oficial de Veneza 2022, Caçadores de Recompensa, inédito que já esteve invisível no video on demand das operadoras, coisas do nosso mercado que não respeita o nome de Walter Hill, realizador de clássicos como 48 Horas ou Estrada de Fogo. Com Willem Dafoe e Christoph Waltz.
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Não é o western spaguetti que o título e a cor sépia prometia. É apenas um western que quer ser um exercício de revivalismo que não convence. Dead for a Dollar, muito diretamente, é daqueles casos que todos os cinéfilos queriam que fosse relevante mas que, na prática, é apenas inconsequente. E esse desejo “romântico” parte do percurso de Walter Hill, cineasta a hibernar, aclamado no passado por obras como 48 Horas (1982),  Estrada de Fogo (1984) e A Fronteira do Fogo (1987), símbolo de um cinema de ação de Hollywood do lado do autor. Hill que já tinha feito exercícios de reciclagem do género em Wild Bill (1995) e Jerónimo- Uma Lenda Americana (1993) e que era visto por historiadores de cinema como um respigador. Desta vez, no limite, há um lado de elegia à figura do pistoleiro esquecido, neste caso o caçador de recompensas de criminosos, algo muito próximo de um folclore de um ideal de justiça à flor da pólvora.

No começo somos postos à prova no lugar do cliché do espetador: o caçador de recompensas Max (Christoph Waltz) é confrontado pelo seu inimigo, o criminoso Joe, um jogador que é libertado da prisão após cumprir pena. O ódio entre os dois é combustível a queimar mas cada um parte para direções opostas. Mais tarde, Max é visto numa nova missão: perseguir uma mulher branca (Rachel Brosnahan) e um homem negro ( Brandon Scott)  em fuga do exército americano, ambos a tentar uma nova vida através de um esquema de falso resgate. Está em causa uma questão de preconceito racial e de atração romântica “proibida”. Uma narrativa que parece querer convocar um comentário histórico que parece querer falar de elevação feminista ou inclusão. Parece mas não consegue...Há uma inaptidão no “storytelling” que deixa adivinhar outro lugar comum: a falta de prática. Walter Hill perro e sem rotina de ritmo, presume-se...Mesmo que muitas vezes se perceba que os problemas estão no argumento tão preguiçoso como vazio. Afinal de contas, as linhas da sinopse pressupõem  sabotagens a níveis de encadeamento, não comunicam uma única ideia de cinema.

Caçadores de Recompensa tem ainda outra falha fatal: disfarça-se de série B para escamotear a sua falta de cadência: Os atores, todos eles acima de qualquer suspeita, estão desamparados, em especial Christoph Waltz, ator que parece em “trip” insana de auto-caricatura. Contado...ninguém acredita. Tudo isto tem uma possibilidade de redenção por pequenos gestos nostálgicos: Walter Hill sabe enquadrar, sabe dialogar por uma ideia de balada perdida de cinema. É aquele contraste de saber estar a filmar algo que não é deste tempo, algo que é para ser sentido como antropologia perdida de Hollywood. Em última análise, é um exercício de estilo sem estilo. Só isso é um gesto coragem de cinema, pena somente este aparato de cinema ser uma loja dos trezentos de naftalina. 

Outra das redenções possíveis ideológicas do filme é poder propor algo muito raro hoje em dia: um filme de género desencantado que sabe muito bem não se levar a sério.

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