O legado de Eduardo Serra (1943-2025) possui a riqueza, e também os contrastes, de um verdadeiro mestre da luz e da cor. Por vezes, pergunta-se se um diretor de fotografia se distingue mais pelas marcas pessoais do seu tratamento das imagens ou pelo modo como esse tratamento se adequa às exigências dramáticas de cada filme. Em boa verdade, no caso de Serra, tal distinção dilui-se nas especificidades do seu labor: sempre seduzido pelas possibilidades de tratamento da luz natural, isso nunca limitou a sua capacidade de satisfazer as exigências peculiares de uma determinada história, por vezes ajudando a criar ambiências mais ou menos artificiosas.A sua trajetória é tanto mais complexa e fascinante quanto, de facto, envolveu colaborações com cineastas com marcas pessoais muito fortes — de autores portugueses como José Fonseca e Costa, Fernando Lopes ou Luís Filipe Rocha, até aos franceses Patrice Leconte e Claude Chabrol, ou ainda o norte-americano M. Night Shyamalan e o espanhol Carlos Saura.Títulos como O Delfim (Fernando Lopes, 2002), As Asas do Amor (Iain Softley, 1997) e Rapariga com Brinco de Pérola (Peter Webber, 2003), os dois últimos nomeados para o Óscar de melhor fotografia, contam-se entre os seus trabalhos mais famosos. Aqui ficam breves memórias de cinco outros filmes, porventura dos menos conhecidos, em que podemos (re)descobrir as subtilezas do olhar e da técnica de Eduardo Serra.O MARIDO DA CABELEIREIRA (1990)Patrice Leconte foi um dos cineastas com quem Eduardo Serra trabalhou mais vezes. Esta história perversa e desconcertante, a meio caminho entre o romantismo e a comédia de costumes, pode servir de exemplo modelar de um universo tipicamente francês, capaz de manter as suas ligações com a herança melodramática do classicismo de Jean Renoir ou Sacha Guitry. .JUDE (1996)Baseado no romance de Thomas Hardy (Jude the Obscure, publicado em 1895), este drama vitoriano é tratado pelo inglês Michael Winterbottom como um combate desigual entre a pulsão amorosa e as clivagens sociais. As tensões de tudo isso são intensificadas pelo brilhante trabalho dos intérpretes principais: Christopher Eccleston e Kate Winslet. .PARA ALÉM DO HORIZONTE (1998)Realizado pelo neozelandês Vincent Ward, no original What Dreams May Come (adaptado do romance de Robert Matheson), eis a história surreal de um homem que ascende ao Céu, mas que quer por força “regressar” para salvar a sua mulher... Com Robin Williams no papel central, este é, seguramente, um dos trabalhos tecnicamente mais complexos da carreira de Eduardo Serra. .BOBBY DARIN – O AMOR É ETERNO (2004)Notável proeza de Kevin Spacey (ator, argumentista, realizador), eis o retrato amargo e doce de Bobby Darin (1936-1973), cantor e ator eternizado pela sua versão do tema Beyond the Sea (que, aliás, empresta o título ao filme). Especialmente importante em termos dramáticos é a relação de Darin com a atriz Sandra Dee, interpretada por Kate Bosworth. .BELLAMY (2009)Filme final de Claude Chabrol (1930-2010), com Gérard Depardieu no papel central, nele encontramos um inspetor que, em período de descanso, se envolve na investigação de um crime. Definido por Chabrol como uma homenagem a Georges Simenon (ou “um Maigret em férias”), funciona como uma variação dramática, mas irónica, da tradição do policial “à la française”. .Morreu Eduardo Serra, o mais internacional dos diretores portugueses de fotografia