E não é que Guy Ritchie ressuscitou!?

Em <em>The Gentlemen - Os Senhores do Crime</em> temos Guy Ritchie a brincar com as próprias perceções que o seu cinema convoca. Uma diversão assinalável no formato do castiço "thriller" de gangsters londrinos cockney.
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Mais uma comédia de gangsters ingleses patuscos e com sotaques típicos. Na verdade, não é bem assim: esta é que é a comédia de gangsters ingleses que conta. Estamos perante o melhor filme de um realizador cujo cinema andava pelas ruas da miséria. Este é o Guy Ritchie ao nível de Um Mal Nunca Vem Só (1998) e Revólver (2005), ou talvez ainda num plano mais superior. The Gentlemen- Senhores do Crime é uma inventiva exploração de um género que o próprio criou: o submundo da cultura criminosa de Londres.

Aagora, passados todos estes anos, atira-se ao seu brinquedo com um "know how" legítimo e em toada de revisitação dos seus êxitos "old-school". Nesse sentido, percorre por todo este projeto uma omnipresença de uma súmula, de um sumário daquilo que se julgava perdido no seu cinema: humor seco, histórias com segredos atrás de segredos e ideias visuais com marca registada. Além disso, para tornar tudo ainda mais picante e provocador, pelo meio existem auto-citações que são rebuçado para o fã mais antigo, sobretudo à base de detalhes das personagens. Um piscar de olho aos "mânfios" cockney de Snatch- Porcos e Diamantes e de RocknRolla (2008) mas sem nunca hastear qualquer tique de egocentrismo. Decididamente, não é o Guy Ritchie das encomendas fastidiosas da Warner...

Os cavalheiros do título são uma série de figuras da cena de tráfico de droga da Londres dos nossos dias. De um lado, os cavalheiros de Mickey Pearson, um americano que controla o negócio das drogas leves, do outro, Dry Eye, um inglês de descendência chinesa a querer dominar o mercado. Pelo meio, há ainda um gangster judeu que quer comprar o negócio a Mickey e um treinador de boxe que controla um gangue de jovens criminosos que acaba por se aliar a uma destas facções. Por entre traições, jogos de "bluff" e até a própria sombra do jornalismo de tablóide, surgem voltas, reviravoltas e revelações capitalizadas por um argumento que encontra sempre nesse dispositivo de um humor tão específico como britânico. Dir-se-ia mesmo que nessa comicidade há o aperfeiçoamento de "timings" e até de subtilezas, algo que a "escola Guy Ritchie" não era propriamente especialista. Ainda assim, os detratores dessa "escola" vão ter de continuar a apanhar com os habituais "freezes" na imagens e a narração a "enganar" o espetador.

Se há uma ideia de conto de traições e mentiras, a transgressão de realidade com uma estilização muito singular é uma forma de tornar reconhecível uma ironia própria de um núcleo incandescente de tópicos e personagens: o gangster vaidoso, o rufia que quer ser honesto, o paparazzi mafioso com boa lábia ou a mulher-gangster que se serve da sua sexualidade feroz... O que também surpreende aqui é uma noção de engenho de ritmo, quase totalmente em sintonia com uma linhagem da velha escola dos anos 1990. Isso e o facto de nunca se levar a sério. The Gentlemen é uma ótima surpresa, uma bofetada de luva branca para quem tinha já anunciado o funeral de Ritchie (não esquecer que o anterior Alladin era uma calamidade de todo o tamanho...), aqui um cineasta capaz de misturar um bafo de teatro com uma diversão total e adulta. Depois, pormenor nada casual, há um elenco que nos dá Colin Farrel como nunca o vimos, um Hugh Grant hilariante e até Matthew McConaughey controlado e sem as falhas cabotinas.

**** Muito bom

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