O Pavilhão de Portugal na Expo de Osaka acaba de receber vários prémios, entre eles o Ouro na categoria Melhor Conceito Temático - com o tema Oceano, Diálogo Azul. Qual a importância destas distinções?Fiquei particularmente feliz com a distinção do pavilhão, por várias razões. Primeiro, porque quisemos tocar a nossa relação histórica com o Japão, mas não queríamos ficar só por aí. Temos essa dimensão histórica ou marítima - e foi a nossa Expo 98 que lançou o tema dos oceanos para a agenda pública internacional - como forma de nos projetar no futuro e responder ao repto desta Expo, que era “desenhar as sociedades do futuro para as nossas vidas”. Com este tema, conseguimos falar do passado, homenagear a nossa própria Expo e olhar para o futuro e dar o nosso contributo para o futuro. Por outro lado, estamos a viver num momento em que cada vez há menos espaços para o diálogo e estamos a voltar para trás, pelo menos no que diz respeito ao clima, a negar as alterações climáticas. Portanto, fiquei particularmente satisfeita que este tema tivesse sido o que recebeu a maior distinção. O que também foi reconhecido foi a nossa mascote. A UMI é um cavalo-marinho e simboliza a ligação entre Portugal e Japão Aliás, “umi” significa “oceano” em japonês. Apesar de não ser a única dimensão, era importante homenagear esta ligação histórica entre os dois países? Absolutamente. E homenagear o facto de ela existir também no presente. O Japão são arquipélagos, portanto têm uma ligação fortíssima com o mar e eu fiquei muito satisfeita, logo no início, quando vi as pessoas a interagir com as cordas, os cabos marítimos no nosso pavilhão. Nem foi preciso legenda, eu andava a passear e ouvia as pessoas a dizer “fune, fune, fune” que quer dizer barco. Se calhar noutro país não funcionaria da mesma forma. Ali é instintivo, assim como o vídeo que passamos da Fundação Oceano Azul, que comove as pessoas, vi várias em lágrimas. No Japão, esta mensagem funciona particularmente bem. Quanto à UMI, vou ser franca, nasce tarde. Não tínhamos previsto ter uma mascote, mas de repente começámos a perceber que os outros países tinham e que o Japão é o país das mascotes. A própria mascote da Expo, a Myaku-Myaku, é muito sui generis. Portanto percebemos que teríamos de ter uma mascote, que não podia ser uma mascote qualquer e pedimos auxílio ao Turismo de Portugal. Foi ele que concebeu e desenhou esta mascote. O nosso único pedido foi que tivesse alguma relação com o nosso tema. É que nasce esta ideia muito feliz do cavalo-marinho. Em japonês, a palavra cavalo-marinho tem a palavra “dragão”. É um bichinho pequenino, mas muito forte e resiliente. Achámos que era perfeito e ver a UMI entre as 5 mascotes desta mais de centena e meia de países foi muito gratificante. Mas o melhor de tudo é ver a UMI em ação. Nós temos uma UMI em tamanho real, todos os dias ela faz uma aparição e é a loucura completa, as pessoas vêm de todos os cantos da Expo para tirar uma fotografia com a UMI. .Estamos quase a chegar ao fim da Expo, o pavilhão português já ultrapassou os dois milhões de visitas. Ou seja, um bocadinho acima dos 10% do total de visitas do recinto. Que balanço faz destes 6 meses?Eu até há pouco tempo dizia que prognósticos, só no fim do jogo. Mas agora estou mais aliviada, passámos dos dois milhões. Estou profundamente feliz e grata ao público da Expo, que foi muito generoso connosco, que trouxe curiosidade e entusiasmo. Nós sempre achámos que ia correr bem, sempre estivemos otimistas, mas não estávamos à espera de números tão impactantes. E são números não só reais como até modestos, porque nestes dois milhões não incluímos nem o restaurante, nem a sala de exposições temporárias. Quisemos ser muito realistas e rigorosos e contar só as pessoas que diariamente esperam 40 minutos ou uma hora para entrar no nosso pavilhão. O público japonês é muito resiliente, muito pragmático, vêm preparados, trazem cadeiras, trazem livros, estão habituados a filas, para eles é normal. Quanto aos números, tínhamos como expectativa, já otimista, 1,2 milhões para os 6 meses. Chegámos aos dois milhões. E foi desde o primeiro dia. Tínhamos feito também uma estimativa de público diário de 7 mil, também otimista, e logo no primeiro dia chegámos aos 14 mil. Foi um bom sinal. E aos três meses, já era o boca a boca a funcionar. Há países que começaram a decrescer nessa altura, mas nós crescemos ainda mais. Foi nesse momento que pensei “ok, acertámos, a mensagem funcionou e o público gosta do nosso pavilhão”. Sem arrogância, comecei a sentir que estávamos numa liga dos países mais populares..A informação que divulgaram falava em mais de 4 milhões de euros em negócios.Em faturação, sim. E 184 novos produtos no mercado japonês.Na loja.Este lado mais comercial também é importante?Sim, esta participação é organizada pela AICEP, a nossa agência para o investimento externo, portanto houve sempre uma grande preocupação em abrir oportunidades de negócio. Eu diria que isso também foi alcançado. Há empresas que fizeram negócio durante a Expo, no pavilhão. Depois, há o restaurante e a loja, que têm modelos diferentes. O restaurante foi uma concessão, através de um concurso público em que venceu um chef português, que vivia no Japão há 15 anos, e isso acabou por ser uma imensa vantagem, porque ele chegou a ter um restaurante em Osaka, portanto conhece os mercados, os fornecedores. Já a loja, é gerida diretamente pela AICEP e desde o início houve uma vontade de utilizá-la para promover produtos portugueses. Tudo o que temos na loja tem cariz sustentável, temos um ênfase regional também, temos produtos muito variados. O nosso maior problema foi esgotarem-se logo e ser bastante difícil repor, tendo em conta que o Japão não é aqui ao lado. Qual foi o maior sucesso no restaurante?Correndo o risco de cair no cliché, é o pastel de nata. Há até um “challenge nata” nas redes sociais japonesas. Os pastéis começam a ser vendidos logo de manhã, há pessoas que vêm a correr para comprá-los, atravessam a Expo, não para visitar o pavilhão, mas para comprar o pastel de nata. Temos o pão de ló, com o qual existe uma ligação no Japão através do castela. Depois temos o polvo, em Osaka adoram polvo e nós temos polvo à lagareiro, temos arroz de polvo e isso faz um grande sucesso. Tal como os peixinhos da horta, que são a nossa tempura. E isso causa uma certa surpresa, eles não fazem ideia que existe algo tão parecido e portanto é muito popular.Se tivesse de escolher um momento alto destes seis meses, qual seria? Ou, de outra forma, qual foi o maior sucesso do pavilhão de Portugal nesta Expo?Eu acho que não houve nada que corresse mal. Houve sempre público, mesmo nas propostas mais contemporâneas. Tivemos uma exposição do Daniel Blaufuks, tivemos uma peça da Fernanda Fragateiro, estamos a falar de arte contemporânea, em alguns casos, conceptual, e até isso funcionou. Tivemos performances, tivemos propostas bastante arrojadas, e até essas, num público muito generalista, funcionaram muito bem. Depois, simbolicamente, eu diria que há dois momentos que vão ficar comigo. Um foi o Dino d’Santiago e o Branko, no dia de Portugal na Expo, a 5 de maio, em que criámos uma ligação com os países de língua portuguesa que estão também na expo. Acho que mostrou uma imagem de Portugal que o Japão não conhecia, e teve um grande, grande sucesso, sobretudo numa camada mais nova. Depois, a Carminho, no 10 de Junho, que, no final do concerto, cantou em japonês, e eu vi homens crescidos ao meu lado a chorar. Mas de facto foram muitos momentos, os caretos de Podence, as tunas, etc. E a arquitetura contemporânea e minimalista do pavilhão, com este tipo de atividades, das mais tradicionais às mais folclóricas, funcionou mesmo bem. .Falou da arquitetura do pavilhão. Porquê a escolha de um arquiteto japonês, Kengo Kuma?Foi uma decisão do Estado português não ter um regime de exceção, contrariamente à maioria dos países europeus. Portanto, tivemos que seguir a contratação pública para tudo. Posso dizer que foi dos maiores desafios, e não fomos mais longe em alguns aspectos por causa dessas limitações. Eu nunca mais faria uma Expo sem um regime de exceção. Acho que foi um erro estratégico. Isso obrigou a AICEP a fazer concursos para tudo e assim foi também para a concessão do pavilhão. A partir do momento que fazemos um concurso público internacional, não pode haver qualquer distinção sobre nacionalidade. Há critérios definidos, que foram validados pelo Tribunal de Contas, e ganha o melhor projeto. Se tenho pena de não ter sido um arquiteto português? Claro que sim, faz sentido mostrar uma arquitetura nacional. Dito isto, acho que este foi um excelente projeto e não é por acaso que Kengo Kuma o fez tão bem, porque ele tem ligações a Portugal, tem portugueses na sua equipa. Este projeto, sendo de um arquiteto japonês, tem uma ligação forte a Portugal, que depois teve a tal leitura imediata do público japonês. Isso de certa forma compensou algum tipo de desconforto causado pela situação. E houve uma grande aposta na arquitetura nacional nesta Expo. No Dia Nacional houve uma exposição a homenagear Siza Vieira, tivemos uma exposição com quatro arquitetos portugueses que depois fizeram palestras por universidades japonesas, e mais recentemente uma exposição sobre jovens arquitetos com a curadoria da Andreia Garcia. A arquitetura portuguesa não ficou esquecida.Sabemos que Portugal está na moda. Para os japoneses, é mais um conhecimento histórico, dos livros de Histórica, ou há um conhecimento contemporâneo? Esse é um ponto-chave. Eu desde o início pensei que este era o momento para mudar a nossa imagem. Porque, até do ponto de vista institucional, nós próprios estamos sempre a insistir na dimensão histórica e houve regiões que queriam estar na Expo Osaka a falar dos seus missionários do século XVI. Atenção, é uma história riquíssima, que abre muitas portas, mas tínhamos que atualizar a nossa imagem, porque os nossos indicadores atuais com o Japão não são assim tão altos. Foi por isso que houve uma grande aposta, por exemplo, na educação, tivemos mais de uma dezena de universidades lá e muitas assinaram protocolos de cooperação com universidades japonesas, isso para mim foi muito importante, porque não queria acreditar quão poucos estudantes japoneses, por exemplo, nós temos. O Japão é um país relativamente fechado, mas é um facto que se nós estamos constantemente a falar do século XVI, um jovem japonês não vai pensar em Portugal para visitar, para estudar, para viver. Grande parte deste desafio era, sem esquecer a nossa história, dar uma visão aqui mais contemporânea do país, mais atual. Por exemplo, a Universidade Nova trouxe uma DJ que todas as noites animou o espaço e acredito que isso pode ter atraído estudantes para Portugal. Seja como for, homenageámos sempre a nossa história comum, riquíssima e antiquíssima, com o Japão. Tivemos uma belíssima localização na Expo Osaka e acho que, de certa forma, teve a ver com esta simpatia entre os dois países. Mas conseguimos dar o salto e mostrar também o país que somos atualmente.Dos pavilhões que visitou, algum que a tenha marcado?Há um muito engraçado que eu acho que complementa o nosso, e que está mais ou menos à nossa frente, que é o Bahrein, porque também escolheu o tema do mar, mas de uma forma diferente da nossa. A nossa é mais digital, e a deles é mais tradicional, museológica, mas acho que os dois se complementam. Depois, há um pavilhão polémico, o do Brasil, que teve vários percalços. O projeto que ganhou o concurso não ficou, foi feito outro. É um projeto artístico, conceptual, que muitas pessoas não gostam, mas que eu acho interessante. É uma instalação artística sobre o perigo das alterações climáticas, sobre a Amazónia, tem uma mensagem bastante atual, mas de forma muito artística. Para terminar, e voltando à Expo 98, que memória guarda da expo de Lisboa e como é que eventos como este ajudam uma cidade a afirmar-se no mundo?Foi muito gratificante ver, quando entrei no mundo das Expos, o número de vezes que a nossa Expo 98 é mencionada como um case study exemplar. Do ponto de vista pessoal, uma das razões que me fez aceitar, mas com muito medo, foi ter tido oportunidade, mais tarde, de trabalhar com o Mega Ferreira, na EGEAC. Foi uma grande referência para mim. Não o conheci na altura da Expo 98, eu nessa altura era uma simples estudante. Lembro-me que estava a tirar a carta e foi ali para a Expo que comecei a treinar. A minha vivência da Expo foi como estudante e, como para muitos da minha geração, foi absolutamente marcante. Quando recebi este convite, pensei logo na Expo 98, em Mega Ferreira, e tive muita pena de ele já não estar cá, porque teria sido a primeira pessoa com quem teria falado. Ao mesmo tempo tenho a sorte de ter como conselheiro desta Expo Osaka, Rolando Borges Martins, que foi um braço direito de Mega Ferreira na Expo 98, e que é provavelmente a pessoa portuguesa com mais experiência de expos..“Oceano, Diálogo Azul”. Pavilhão de Portugal na Expo2025 em Osaka distinguido com o prémio de melhor tema