O MAAT - Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia é amplo, mas mesmo assim a obra monumental de Cerith Wyn Evans que dá nome à nova exposição Formas no Espaço...através da Luz (no Tempo) que ocupa a Galeria Oval do museu teve de ser ajustada em relação à versão original. É o próprio artista galês quem o explica ao DN. “Tecnicamente, a peça é feita com quase o mesmo número de elementos, mas tivemos que os reduzir, porque por mais estranho que pareça, o espaço não é suficientemente grande, havia elementos que tinham mais altura. Há um bom termo para isto, shoehorned, foi enfiada à força neste espaço”. É a terceira vez que esta escultura, a maior que o artista já fez, é exibida, mas no MAAT será vista de outra perspetiva. “Pela primeira vez, é proporcionado ao trabalho ser visto desta forma, pela rampa que o circunda. Não será percecionado da mesma maneira”.Com mais de 30 metros de comprimento, a peça é composta por dois quilómetros de tubos de néon cuja disposição cruza várias influências, desde os desenhos geométricos da parte inferior da obra Le Grand Verre de Marcel Duchamp, aos diagramas kata, notações que esquematizam os movimentos codificados da antiga tradição teatral japonesa chamada Noh.“Há formas muito primitivas de notação de certos movimentos. E há determinadas citações de algumas dessas coisas que entram nessa peça, mas, na verdade, bastante fragmentadas, meio que quebradas. Não há coesão”, diz Cerith Wyn Evans. O artista é um grande admirador da cultura japonesa, e embora olhando para a grande escultura no espaço central do MAAT essa influência nipónica seja dificilmente percebida pelos espetadores sem contexto da obra, a maneira como o artista está vestido dá algumas pistas. . “Viajo para o Japão há 40 anos, tenho amigos próximos lá. De alguma forma desenvolvi familiaridade com algumas coisas, nas quais investi”, afirma. Cerith Wyn Evans passa três meses por ano no Japão e diz mesmo que se não fosse a pandemia de covid-19, provavelmente estaria a viver no Japão nesta altura. Atraio-o naquela cultura “certos aspetos das propriedades estéticas, a forma como os japoneses têm olhado para a produção de imagens, conceitos de espacialização, que parecem, de alguma forma, bem singulares”. Mas, também, “a cosmologia, que é única, uma certa mistura entre as antigas religiões naturais do Japão que se fundem com a história do Budismo. Há uma hibridade na cultura japonesa, que é uma mistura de várias coisas muito diferentes. É um pouco arqueologia cultural. Mas é inspirador, é muito entusiasmante. Adoro a língua, adoro a música.” No trabalho de Cerith Wyn Evans há ainda outras influências, por exemplo, de um compositor, arquiteto e engenheiro greco-francês. “Iannis Xenakis desenvolveu um programa que permite desenhar algo que pode depois ser transposto para forma musical. Podemos ouvir o que estamos a desenhar. Então, são esses momentos cinestésicos em que temos algo, até mesmo uma citação de outra estrutura gramatical, de outra criptografia, e transpomos para outra linguagem. De certa forma, estamos a tentar estabelecer algo como uma língua alternativa, através da abstração, da estrutura e dos intervalos”. Isso é visível, por exemplo, noutra peça, logo no início da exposição (S=U=T=R=A, 2017) constituída por dois candelabros feitos em vidro de Murano, em que uma trilha sonora composta pelo próprio artista é convertida em luz, que acende e apaga ao ritmo da música. Há também a escultura sonora Composition for Flutes (2017) com 11 flautas de cristal, que converte ar em som ao ritmo de um algoritmo. “É na realidade um fole de órgão, uma gaita de foles. Há duas bombas que são gaitas de foles, sugam o ar da sala”, explica o artista. . Nesta mostra estão cerca de 30 peças do artista, algumas das quais foram feitas em Lisboa para exposição. É o caso da obra Decor-Relic (after J. Wall, maat), que resultou do aproveitamento de materiais da exposição anterior, do artista Jeff Wall, que ocupou o MAAT até ao mês passado. São pedaços do que parece ser uma parede em MDF, dispostos na parede branca do espaço expositivo. Também a instalação Phase Shift I-II-III with projections (after David Tudor) for maat foi criada para esta exposição. A instalação está numa sala escura e é constituída por para-brisas rachados suspensos como móbiles e projeções vídeo, resultando num jogo de sombras e de formas em movimento. .A obra Sounding Felix (incarnation maat), foi alterada para esta mostra. Trata-se de uma assemblagem de objetos, um gongo, transdutor, amplificador, telefone, transformadores, adaptadores elétricos, lâmpadas, cadeiras (do designer Philippe Stark), cobertores de Mylar, painéis de acrílico e carro porta-painéis. Aqui no MAAT foram acrescentadas à peça painéis de acrílico colorido. A versão original, Sounding Felix (Paris 8 assemblage), foi comissionada pela universidade parisiense Paris 8 para a conferência de homenagem ao psicanalista e filósofo Félix Guattari, de que Cerith Wyn Evans é admirador, e incorpora, descreve o artista, na trilha sonora ligada ao gongo, “uma pequena gravação rara da primeira instância em que Guattari conheceu o seu mentor Gilles Deleuze em Vincennes, numa universidade experimental que foi construída pelo governo francês para aplacar os tumultos de 68”. . Marcel Duchamp, e não só. Veja-se a obra Neon after Stella (Seven Steps), de 2022, inspirada na série Black Paintings (1958-1960) de Frank Stella, artista norte-americano conhecido pelo uso de padrões e formas geométricas na sua pintura. Cerith Wyn Evans “transcreve” as linhas brancas sobre fundo negro das obras dessa série de Stella para tubos de luz sobre o vazio, no que pode ser visto como o “negativo” das Black Paintings. “O que eu acho particularmente fascinante, é que as obras podem ter imensas referências à história da arte e da filosofia mas, no final, é um desenho impactante de luz e, portanto, o espetador não precisa disso para poder relacionar -se com a obra”. .Nina Beier. Objetos que se juntam e contam a história que queremos ouvir.Luz e transcendência: as obras de final de vida de Vieira da Silva e Arpad Szenes no museu que lhes é dedicado