Bruno Chaveiro. O talento da guitarra portuguesa que ouvia Ray Charles e Red Hot Chili Peppers
Da sala 1 do estúdio Bandido Sessions escapam as primeiras notas da Canção de Embalar de Zeca Afonso. Esta é a versão de Bruno Chaveiro, uma forma de o guitarrista celebrar a obra do cantor e compositor nos 50 anos do 25 de Abril. “Temos aqui Zeca Afonso como representante de todos os cantores de Abril. É um exemplo maior dessa nossa cultura e parte da história”, explica o músico no final do ensaio. Lançada ainda em dezembro, a sua versão da Canção de Embalar faz parte de Alento, o disco que lança no dia 7 e apresenta ao público no dia 11 com um concerto no Teatro Maria Matos, em Lisboa.
Com ele em palco, Bruno Chaveiro vai ter não só os músicos que estiveram no ensaio no estúdio de São João da Talha - Eduardo Espinho nas guitarras, Carlos Miguel na bateria e Paulo Loureiro no piano - mas também António Zambujo e Buba Espinho. “Eles são incríveis. E aceitaram logo vir cantar connosco”, diz o guitarrista, garantindo que no concerto não só irão tocar todos os temas do novo álbum, como também irão revisitar alguns do seu primeiro trabalho em nome próprio, Desatino. E promete algumas surpresas, a cargo dos seus convidados.
Mas como é que o miúdo nascido na Suíça, há 31 anos, e criado no Alentejo se tornou num dos novos talentos da guitarra portuguesa? A família de Bruno trocou Morges e as margens do lago Leman por Montemor-o-novo quando ele tinha cinco anos - “Cresci em Montemor. Comecei a aprender viola de fado com sete anos”, recorda o músico, sentado no estúdio. Rodeado de instrumentos, explica ainda como à viola de fado se seguiu o clarinete “aos 14, 15 anos” e, também por essa altura, a guitarra portuguesa.
Uma paixão pela música que não vinha de família. “Na verdade, sempre fiz birras desde miúdo porque queria ir para a escola de música, queria ir para a banda da Carlista”, lembra. A birra surtiu efeito e ainda hoje Bruno toca na banda daquela sociedade filarmónica montemorense.
Foi por volta dos 16 anos, Bruno percebeu que tinha de escolher um instrumento principal ao qual se dedicar e acabou por seguir a sua paixão pela guitarra portuguesa. “Pouco tempo depois, fui estudar para Castelo Branco onde fiz a licenciatura em guitarra portuguesa. Foi aí que decidi que me queria profissionalizar na música”, conta Bruno.
O Politécnico de Castelo Branco não só tinha a única licenciatura em guitarra portuguesa do país como lá lecionava o guitarrista Custódio Castelo. “Eu queria muito ter aulas com o Custódio Castelo. É o meu mentor”, diz.
Mas que tipo de música é que o jovem Bruno Chaveiro gostava de ouvir enquanto crescia? “Eu ouvia muito Ray Charles. Red Hot Chili Peppers era a minha banda preferida. System of a Down também”, vai enumerando. Um gosto no mínimo eclético, em que pode surpreender a ausência do fado. “Mesmo quando comecei a aprender a tocar viola, era viola de fado, mas eu só ouvia os fados que o meu professor dizia ‘olha, vamos aprender este’. Eu ouvia aquele, especificamente aquela versão, e acabou”, conta agora. Só quando começou a aprender guitarra portuguesa é que Bruno Chaveiro passou a ver o fado com novos olhos - “a realidade do fado chegou como uma enxurrada de conhecimento. Tantos fados tradicionais e tonalidades. Mil e uma opções e fadistas, formas de cantar, estilos. E, claro, comecei a absorver essas coisas todas. É realmente um mundo muito giro. É super interessante a dinâmica musical do género”.
Terminado o curso, Bruno veio para Lisboa e foi então que começou a carreira na música. Primeiro a tocar para outros artistas - uma vertente que ainda hoje mantém. “Esta versão de músico freelancer, mantenho ainda hoje. Gosto muito, porque trabalho com artistas que são realmente incríveis. O Buba Espinho, o Júlio Resende, a Ana Laíns. Dá-me mesmo muito gozo”, afirma.
Apoio da família
Apesar de não terem qualquer ligação ao meio musical, a família de Bruno sempre apoiou a sua carreira. “Eu sempre quis tocar, desde muito miúdo, mas nunca olhei para tocar um instrumento como uma profissão. Nem sabia que era possível! Numa terra pequena, na loucura, ao fim de semana ia ganhar 20 ou 25 euros a tocar e eu pensava que essa era a realidade dos músicos - de vez em quando ir tocar e ganhar 25 ou 30 euros para fazer uma noite num sítio”, recorda. E acrescenta: “Portanto nunca houve essa conversa lá em casa. Eu tocava só porque gostava e porque me fazia bem”. Mais, “a minha mãe é que me começou a impingir a ideia de pensar na música como uma forma de profissão e de ir estudar mais a sério.”
Em paralelo com a tal vertente de freelancer, Bruno foi também apostando numa carreira a solo. E tudo começou precisamente em Montemor-o-Novo. “Na Carlista convidaram-me para fazer um concerto a solo a título de celebração do mês da música. Terá sido em outubro, portanto, de 2017. Eu nunca tinha feito concertos a solo e tive de preparar repertório para aquele dia. Acabei por compor duas ou três músicas, mais versões de algumas guitarradas que já tocava há muito tempo. E aquele concerto em particular deixou o bichinho de querer fazer um disco”, explica o músico.
Foi na sequência desse concerto que surgiu Desatino, o primeiro trabalho em nome próprio de Bruno Chaveiro, editado em 2019. Mas porquê Desatino? “Desatino é esta confusão do dia-a-dia, de andar na estrada, a correr. Hoje estamos aqui, amanhã vou para o Porto, no dia a seguir para o Brasil ou para Macau. No fundo o disco é todo ele construído, de uma forma meio engraçada, à volta desta ideia de nunca estar em casa. De andar sempre por fora”, explica.
Entre o Alentejo e a Suíça
Apesar das muitas viagens, Bruno Chaveiro não tem dúvidas de quais são as suas raízes e leva muito do Alentejo onde cresceu para a sua música. “Culturalmente, o Alentejo é fascinante. É incrível. A comida, o clima, a música. É impossível ser de um sítio e andar por outros sem levar um bocadinho desse sítio connosco. Eu nasci na Suíça, mas os meus pais são os dois nascidos e criados em Montemor-o-novo. A minha família é toda de lá”, conta.
E da Suíça, trouxe alguma influência? “Lembro-me de coisas de quando era menino. E entretanto, mais tarde fui para lá trabalhar. Tenho lá o meu padrinho, alguns familiares, e vou lá com alguma regularidade. É um sítio especial, que eu vejo também como parte de casa e da minha história. Mas o Alentejo é o Alentejo”, explica o músico.
Depois de Desatino, agora Bruno Chaveiro lança Alento, um disco que o próprio descreve como andando à volta da ideia de “esperança comedida”, ou seja, “esperança num mundo melhor e num futuro positivo, mas com os pés assentes na terra”. E ri-se: “Aparentemente pode parecer um bocadinho derrotista, mas não é nada disso.”
Neste seu novo trabalho, Bruno enfrenta outro desafio: o de, além de tocar guitarra, também cantar, algo em que se estreara em 2021, quando lançou o tema Incerteza. “Eu cantei num coro infantil desde muito miúdo, desde os 5 ou 6 anos. Foi logo depois de termos voltado da Suíça e era dirigido pela Maria do Amparo. Cantávamos Sérgio Godinho, Zeca Afonso, Fausto, ...”, recorda. Apesar desta vasta experiência, o músico admite, no entanto, que tem “muita vergonha de cantar em público sozinho. Quando estou no coro, está tudo bem, mas quando estou sozinho, tenho vergonha. Mas vou-me habituando. Não é por causa da vergonha que deixo de o fazer.”