August Diehl: "Este filme e trabalhar com Terry Malick transformou-me por completo!
É um dos atores europeus mais importantes nos tempos que correm. Aos 44 anos, August Diehl nascido em Berlim, tem feito uma carreira internacional de grande destaque, tendo participado em obras como Sacanas Sem Lei, de Tarantino, Kursk, de Thomas Vinterberg ou, mais no começo da carreira, Os Falsificadores, de Stefan Ruzowitzky. Um rosto magoado e capaz de todas as transformações. Agora, chega a vez de se entregar a Terrence Malick em Uma Vida Escondida, onde é o soldado que se recusa a matar pelo exército nazi. Em Cannes, contou ao DN segredos sobre o mais secreto e lendário dos cineastas americanos.
Desta vez sabe-se que os atores de um filme de Terrence Malick receberam um guião, coisa pouco comum...
Recebemos um guião mas era mais uma descrição da história. Um guião sem quase nenhum diálogo... Uma semana depois esse guião ficou guardado, não era necessário. Numa manhã lembro-me de ir para a quinta onde filmámos e não estar preocupado com a cena, o importante era perceber se a palha já estava seca e essas coisas... Não pensava como ator, mas sim como agricultor.
Será que os atores ficaram tocados com a beleza das paisagens do Sul de Tirol ou das montanhas dos Alpes italianos? Num filme de Malick essa relação com a natureza pode ter um cariz de inspiração?
Sem dúvida! Os cenários são algo que acabam por me inspirar sempre, sobretudo quando é em contacto com a natureza. Estivemos nos locais três semanas antes de começarmos a rodar e aprendemos como fazer a lavoura com os agricultores locais. Vivemos aquela vida de campo! Sentimos por completo toda aquela atmosfera. Foi muito bom poder aprender a cavar e tudo o mais... Devo dizer que esses camponeses que nos ensinaram foram muito exigentes, são gente boa!! Utilizámos foices e outros instrumentos antigos, havia que ser rigoroso. No começo, senti-me completamente perdido.
Este é um daqueles filmes que muda a vida a um ator?
Este filme e trabalhar com Terry transformou-me por completo! Nunca tive uma experiência como esta! Não há nenhum realizador a trabalhar desta maneira. É muito lindo perceber que a experiência cinematográfica pode ser algo tão oposto àquilo que pensávamos compreender. É de doidos...
Se no processo de Terrence Malick os atores são co-criadores, qual foi a sua específica contribuição aqui?
Graças ao Terry consegui voltar a um lugar muito silencioso de mim próprio. Normalmente, o trabalha passa por uma transformação numa outra personagem, mas com o Terry acabei por obrigar-me a abrir a minha personalidade. Foi diferente... Estava a chegar ao ponto de não representar, ou seja, o que era importante passava por apenas estar lá. O Terry nunca parava de filmar, nós nunca tínhamos intervalos. Lembro-me de um dia adormecer a meio da tarde em pleno prado, foi de exaustão... Quando acordei a câmara estava em cima de mim e havia takes de 28 minutos! A câmara não me parava de seguir, fosse onde fosse. Não tinha marcações nem nada, estava em campo aberto. Chegava a um ponto onde já não sabia o que fazer, será que me limitava a sentar num banco e a olhar para o campo? Se calhar, era isso que ele queria...
Pesquisou por conta e própria factos da vida deste homem, o soldado pacifista Franz Jagerstatter?
Pesquisei, pesquisei... É uma vantagem quando temos uma pessoa real como personagem. Li toda a correspondência entre ele e a mulher - cartas que são formidáveis! Um casal que tinha um amor tão profundo como simples. Havia também um filme austríaco sobre o Franz, mas todo esse trabalho de preparação foi para ajudar-me a encontrar o meu Franz. Como há pouco disse, não estávamos interessados em transformação, mas sim em encontrar a nossa história.
Mas certos papéis não o intimidam?
Sim, no começo sobretudo. Quando soube do interesse do Terry fiquei espantado, ele sempre fora um cineasta com quem desejei trabalhar... Já me contentava com poder pelo menos conhecê-lo uma vez nada vida! Sou um grande fã dos seus filmes e quando me telefonou estivemos horas a conversar. Encontrei uma pessoa boa, curiosa e interessada. Percebi que tem tanto de terno como de tímido. Trata-se de um homem mesmo humilde e simples, conseguindo ainda ser divertido. Desde a primeira hora que me senti aceite.
Depois de ter trabalhado com Tarantino, Robert Zemeckis e tantos outros grandes nomes do cinema, a sua confiança também deve sair reforçada, não?
Há um lado de mim que se esquece disso mas admito que de forma mais subconsciente possa ter vindo a ganhar confiança. Sabe, fico espantado como é que é possível todos eles trabalharem de forma tão diferente. O que têm comum é a sua forma de nunca se comprometerem. Perante a sua arte nunca cedem... São cineastas que fazem cinema à sua maneira e os atores estão convidados a participar...
Isso para um ator deve ser o céu - poder mudar de método de forma tão drástica.
Sim, a mim deixa-me essencialmente desperto e obriga-me a estar sempre aberto. Aberto também aos atores com quem contracenas, aos técnicos, etc... Se um ator julga que conhece o seu próprio estilo, então deixará de evoluir. Sinto que estou sempre a redescobrir-me e que ser ator é ainda uma possibilidade de servir uma história, uma viagem de cinema... Um ator vive de poder ajudar. Não quero estar a pregar, mas representar é um ato de oferta pessoal, é darmo-nos ao outro.
Como sempre no cinema de Malick a câmara dança com os atores...
Sim, por completo. E um ator sente-a a passar por si. Nunca tinha filmado com um ângulo tão aberto: foi uma experiência nova! Com aquelas lentes, mesmo quando se está ao lado da câmara aparecemos no frame. Isso é muito belo porque tudo pode ser literalmente o nosso palco.
Em Cannes, nos corredores, ouvi muitos críticos com reticências a esta mistura de línguas. Ora vocês falam em Inglês ou, por vezes, em alemão... A mistura dessas línguas era algo que Malick procurava como ato de libertação?
No começo também estava com dúvidas se isso resultava, ora se ele era austríaco porque falávamos em Inglês!? Mas depois fui percebendo que a linguagem no cinema do Terry não é a primazia, mas antes o gesto, a melodia e o som. Ao ver agora Uma Vida Escondida gosto dessa mistura do inglês com o alemão. Pode ficar algo artificial mas prenuncia uma sensação documental.
Como ao longo destes anos todos tem conseguido uma carreira tão internacional sem abandonar a Alemanha?
Tenho a convicção que isto tudo é uma sorte gigantesca! Como se diz na Alemanha, sou uma criança de domingo [nasci com o cu virado para a lua]... A sério, estou muito grato. E o melhor de tudo isto não é ter a carreira ou o dinheiro que recebo, mas sim a oportunidade de conhecer gente tão singular e poder trabalhar de formas tão diversas.