Que atriz, ainda pré-adolescente, adotou hábitos rigorosos para crescer depressa (cresceu 7cm!) e conseguir assim o seu primeiro grande papel no cinema? Que movie star se tornou a primeira mulher a confrontar um estúdio americano com o pedido de um milhão de dólares por um filme (Cleópatra), e a ver a sua exigência correspondida? Que celebridade redefiniu a era dos paparazzi e lutou contra o preconceito e pela investigação científica em torno da sida? A resposta vem em forma de título: Elizabeth Taylor: Rebel Superstar, uma minissérie documental em estreia amanhã no TVCine Edition (22h10) e TVCine+, que percorre estes e outros momentos de uma carreira indissociável da intensidade febril e impiedosa da fama. Com selo da BBC e produção executiva de Kim Kardashian – a quem Liz Taylor terá concedido a última entrevista em vida –, o documentário de três partes não é, ainda assim, mais um palco para a socialite americana. Longe disso. Trata-se aqui de celebrar a memória de alguém que marcou a indústria do cinema americano com uma atitude de sobrevivência única, capaz de reinventar o conceito de celebridade, como poucas estrelas femininas ousaram, num tempo de poder absoluto masculino: veja-se como o produtor Louis B. Mayer, magnata da MGM, esteve no centro da formação de uma atriz que literalmente foi preparada para o mundo e para a vida através dos estúdios, ou atente-se na muito conhecida cena de O Gigante (1956), em que a personagem de Taylor, enxotada daquilo que supostamente são “conversas de homem”, retalia com a exclamação de incredulidade “Men stuff! Meninas, preparem a minha roda de fiar, vou juntar-me à secção do harém num minuto”. Neste filme de George Stevens, todo o diálogo sobre a assumida “cabeça vazia” das mulheres lhe saiu sem hesitações... E falar n’O Gigante é falar do esforço notório dela em afirmar-se como verdadeira atriz, para lá do carimbo de movie star, e ainda da morte do jovem James Dean (foi o seu último filme), com quem Taylor travou uma bonita amizade nessa rodagem. O mesmo tipo de amizade calorosa que teve com outros atores gays de Hollywood, como Rock Hudson, Roddy McDowall e Montgomery Clift – daí o seu inestimável apoio à comunidade homossexual quando surgiu o estigma relacionado com o vírus da sida. Liz por quem a conheceu Em agosto do último ano, a Max estreou outro documentário, Elizabeth Taylor: The Lost Tapes, que tem como recurso essencial as fitas de áudio redescobertas de um conjunto de entrevistas gravadas em 1964, com o jornalista Richard Meryman, da revista Life, cujo material se destinou a um livro biográfico. Aí, o ângulo é a intimidade das palavras da atriz, ou a linha direta e nervosa das suas confissões até àquela fase do seu percurso. Já Elizabeth Taylor: Rebel Superstar funciona sobretudo pelo olhar dos outros. De Sharon Stone a George Hamilton, com quem Taylor teve um breve caso amoroso, passando por duas deliciosas atrizes do seu tempo, ainda vivas, Joan Collins e Margaret O’Brien, e por alguns familiares, como o filho Christopher Wilding e a neta Naomi Wilding, sem esquecer figuras como o imunologista Anthony Fauci (que a conheceu a propósito da investigação contra a sida) e a própria Kardashian, que aparece esporadicamente a comentar o “modelo” de Taylor, o documentário realça todas as camadas com que a atriz de Quem Tem Medo de Virginia Woolf? se deu a conhecer ao longo das suas várias vidas e oito casamentos. Desde o nascimento em Londres, de onde saiu com a família em 1939 (tinha 7 anos), quando rebentou a guerra, em direção a Beverly Hills, até à morte do ícone em 2011, os três competentes episódios de Elizabeth Taylor: Rebel Superstar permitem a visão global de uma vida que se fez visceralmente dentro da máquina publicitária do sistema de estúdios, com escândalos e paixões que tenderam a ofuscar ou a confundir-se com as nuances do(s) drama(s) no grande ecrã. Como recorda a neta Naomi, logo no início, “Quando vinha visitá-la, sentava-me no camarim e via-a a arranjar-se. Acabava por ser algo de muito emocionante, porque para ela se mostrar em público tinha de criar o produto que era a Elizabeth Taylor”. A partir desta ideia de criação de uma forte imagem de marca, vamos então revisitar a bravura e também a fragilidade escondida de uma mulher que se manteve numa constante busca pelo amor, entre as cores da tragédia e um certo espírito de resistência, numa altura em que a “má reputação” era veneno mediático quotidiano. Que ela tenha sobrevivido à pressão de ser Elizabeth Taylor, na beleza estonteante dos seus olhos azuis acinzentados, não é coisa pouca.