Aroma de Roma em Mérida com muito riso à mistura
A personagem que mais gargalhadas arrancou ao público foi "O monstro dos Cárpatos", um gladiador gigante com um discurso ameaçador mas muito limitado, mas desde o imperador Nero, ao senador Pisão, passando por Caio, o aspirante a bailarino que de repente se vê numa escola onde se treina gente para enfrentar animais no circo, todo o musical O Aroma de Roma fez sucesso quarta-feira na sua primeira apresentação no Festival Clássico de Mérida, que vai já na 68.ª edição. A peça, falada e cantada em espanhol e com o título original de El Aroma de Roma (prepare-se para ouvir "La Bestia de Los Carpatos", Nerón, Pisón e Cayo, nada que crie grande problemas de compreensão para o público português que costuma marcar presença em Mérida), será representada todas as noites até domingo.
Como é tradição no festival, até porque o calor na capital da Extremadura é muito nos meses de verão, o espetáculo tem início às 22h45, quando começa a arrefecer um pouco graças à chegada da noite. A hora permite que se jante sem pressas - e Mérida tem muitos bons restaurantes - e também confere um aspeto cénico muito especial ao teatro romano da cidade, construído há dois mil anos. Quem assiste hoje a uma peça aqui, como esta comédia musical sobre gladiadores, pode facilmente imaginar que há 20 séculos também neste local se fazia já teatro.
A temática dos espetáculos no Festival de Mérida é sempre o mundo greco-romano, mas tanto podem ser representadas peças de dramaturgos clássicos como obras de autores contemporâneos que vão buscar inspiração aos tempos antigos. É o caso deste O Aroma de Roma, da autoria de Woody Aragón, que no fundo, por entre muitos risos arrancados à assistência, passa uma mensagem de pacifismo que nem sempre era a realidade no Império Romano. Aliás, a própria fundação de Mérida, em 25 a.C., por Augusto, o primeiro imperador, aconteceu depois da pacificação definitiva da Ibéria e para acolher legionários veteranos (eméritos), daí o nome original da capital da província romana da Lusitânia ser Emerita Augusta. Mas se a romanização se fez pela guerra, esta trouxe também elementos civilizacionais, não só o latim que é base tanto do espanhol como do português, mas construções que duram até hoje, nomeadamente em Mérida, onde além do teatro e do circo, há um aqueduto e uma ponte antiquíssimos.
Há 11 anos diretor do Festival de Mérida, Jesús Cimarro deu há semanas uma entrevista ao DN em que destacou nesta peça cómica Agustín Jiménez (o senador dono de uma escola de gladiadores) e Leo Rivera (o bailarino que é a personagem central do musical). O primeiro é uma figura conhecida da comédia Stand Up (e extremenho), o segundo um ator com tradição em musicais e que até já chegou a participar num filme de Pedro Almodóvar. O grande aumento de público nos últimos anos no Festival de Mérida (mesmo tendo em conta as limitações nos dois verões afetados pela pandemia da covid-19) deve-se ao recurso a nomes, inclusive estrelas da televisão, para os elencos e também uma abordagem inovadora da temática clássica, como é um belo exemplo esta comédia musical. Questionado sobre o segredo do sucesso recente, Cimarro respondeu: "Não há fórmula para o sucesso. O que há é trabalho, trabalho e trabalho. Fornecemos todos os ingredientes para que a programação seja do agrado da maioria do público. O público é diversificado e variado, e tentamos que a promoção seja dirigida a todos os tipos de público".
Iniciada a 1 de julho, a edição de 2022 do festival na antiga capital da Lusitânia termina a 21 de agosto, com a peça O Túmulo de Antígona (La Tumba de Antígona), de Maria Zambrano, inspirada numa figura que já servia de tema há 2500 anos ao dramaturgo grego Sófocles.
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