ARCOlisboa arranca com galerias de arte em protesto contra IVA a 23%
Este ano, quem visitar a feira de arte contemporânea ARCOlisboa, que abre portas esta quinta-feira na Cordoaria Nacional, vai ver nos expositores das galerias portuguesas presentes no evento um autocolante amarelo a pedir a “redução do IVA das obras de arte para 6%” e um QR Code que remete para informações adicionais sobre a razão do descontentamento das galerias de arte. Trata-se de uma ação de protesto organizada pela Associação Lusa de Galeristas (EXHIBITIO).
“Temos um autocolante A5 nos stands e temos uns de lapela para dar às pessoas , que diz IVA a 6% e tem um QR Code onde há uma infografia de como é que as coisas se passaram e, de uma maneira simples, explicar às pessoas o que é que acontece”, diz ao DN Vera Cortês, que é presidente da EXHIBITIO.
As galerias de arte contestam a alteração do regime especial de tributação dos bens em segunda mão, objetos de arte, de coleção e antiguidades, na sequência da transposição parcial de uma diretiva europeia relativa às taxas do IVA. “Nós tínhamos uma coisa que se chamava IVA da margem. O IVA das galerias é 23%, mas depois os artistas podiam ter zero ou 6% de IVA (zero por serem estrangeiros ou porque não faturavam o suficiente para ter IVA). O IVA da margem era a combinação desses dois IVA. Ou seja, a maior parte dos artistas paga 6%, 23% mais 6% dá 29%, dividido por dois dá 14,5%”. Grosso modo, explica Vera Cortês, era este o valor que as galerias pagavam na venda de obras de arte, até à entrada em vigor do decreto-lei que transpõe a diretiva europeia, a 29 de março deste ano. Se dúvidas houvesse, um ofício da Autoridade Tributária, de 27 de março, esclarece que o IVA a que as galerias ficam sujeitas é de 23%.
A associação de galeristas sente-se defraudada pela ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, que na ARCOmadrid, no início do mês de março, defendeu que o IVA das galerias deveria ser reduzido para 6%. O DN questionou o Ministério da Cultura sobre a razão por que não desceu, mas o gabinete da ministra remeteu para eventuais declarações de Dalila Rodrigues sobre a matéria, hoje à tarde, na inauguração da feira, que contará com a sua presença.
A ação de protesto dos galeristas na ARCOlisboa acontece depois de terem contactado várias entidades. “Enviámos cartas registadas, com aviso de receção, para todos os grupos parlamentares, para o Ministério da Cultura, para o Ministério das Finanças, para o Ministério da Economia, para o Ministério da Presidência. Ninguém respondeu”, diz Vera Cortês.
A presidente da EXHIBITIO diz que “o grande problema” é que as galerias são consideradas “mercado de luxo”, mas que “é preciso entender o que está envolvido nas galerias - estamos a falar dos artistas, dos produtores, dos pintores, dos transportadores, dos moldureiros, dos impressores, das feiras...são muitas famílias que vivem em torno do que é um mercado de arte”, sublinha.
A galerista aponta ainda a perda de competitividade face a outros países com taxas de IVA mais reduzidas neste setor. “O que está a acontecer é que os países europeus mais poderosos estão a ter uma vantagem competitiva completamente desleal.” Na Alemanha, no âmbito da diretiva europeia, o IVA baixou para 7% e na França para 5,5%. Em Espanha é de 21% e as galerias também pedem a sua redução.
“O que vai acontecer com as galerias grandes, que, inclusive, têm artistas importantes de fora, que competem com outras grandes galerias? Quem é que vai comprar a uma galeria portuguesa quando, neste momento, praticamente um quarto do valor da obra de arte é imposto, são 23%? Nós tivemos de subir os preços de todos os artistas”.
Clima de incerteza
A subida do IVA pago na transação de obras de arte é uma preocupação transversal aos galeristas portugueses presentes na 8.ª edição da ARCOlisboa com quem o DN falou, que também assinalam a importância para o setor desta feira de arte contemporânea organizada pela IFEMA Madrid e pela Câmara Municipal de Lisboa desde 2016.
“Houve grandes mudanças depois da ARCO chegar. Nós éramos a única capital europeia que não tinha uma feira de arte. E a verdade é que tentámos e nunca conseguimos. Há uma sincronia, como lá em Madrid, de a cidade viver em torno da feira, que é muito importante. No fundo, as galerias, os museus, tudo se sincroniza com a ARCO”, diz Vera Cortês.
A Quadrado Azul, uma galeria com origem no Porto, também não faltará ao evento. Sobre o estado atual do mercado da arte contemporânea, em Portugal, e as expectativas quanto às vendas a realizar este ano na feira, o diretor, Gustavo Carneiro, aponta dois fatores que podem ter um impacto negativo. O primeiro é “a situação de incerteza, de guerra, de pressão económica que se avizinha e que pode fazer com que os colecionadores se retraiam”. E, depois, a subida do IVA. “Há instituições que compram anualmente, quer públicas, quer privadas. Não sei até que ponto este agravamento do IVA poderá prejudicar ou não essas compras, porque há instituições que costumam comprar nas feiras, como as câmaras do Porto e de Lisboa, o Ministério da Cultura”.
Quem mais compra nesta feira de arte contemporânea são os colecionadores habituais das galerias e os diretores de museus. “Aquilo que nós vemos na ARCO são muitos daqueles clientes, colecionadores, curadores e diretores de museu, que nós conhecemos e temos na nossa galeria, que já fazem parte, no fundo, desta comunidade mais local. Claro que a ARCO já convida alguns colecionadores internacionais, mas acho que ainda tem muito espaço para crescer”, sublinha Teresa Seabra, diretora da galeria Cristina Guerra.
O agravamento do IVA nas transações de obras de arte poderá conduzir, teme a galerista, a que o mercado fique ainda mais fechado sobre o território nacional. “Comparado com os mercados europeus, esta subida vai-nos virar cada vez mais para um mercado mais local e, se calhar, mais barato. E vai dificultar a internacionalização, tanto dos artistas como das galerias.”
O galerista Miguel Nabinho nota uma mudança recente no perfil dos clientes. “O que acontece é que, agora, durante o último ano, os internacionais estão a comprar, os franceses que vivem em Portugal estão a comprar e têm uma capacidade financeira que os portugueses não têm.” Mas não apenas franceses: “Americanos do sul e norte da América, essencialmente. São pessoas com mais dinheiro e com mais propensão à compra. Porque eles vêm viver para Portugal, compram uma casa de férias, mas sinto que há claramente uma preocupação por parte destas pessoas em ter arte portuguesa nas paredes. Sempre existiu, mas era residual, e agora não é.”