Maribel López: “O negócio das galerias na feira é muito privado, mas ano após ano querem voltar”
As galerias de arte portuguesas vão estar em protesto na ARCOlisboa. O IVA a 23% pode afetar a sua competitividade?
Do meu ponto de vista pessoal, e não como diretora da feira, acho que sim, que isso afeta, como disse, a competitividade das galerias portuguesas contra os seus colegas dos países europeus com IVA de 7% e 5%. Faz com que o seu trabalho se torne muito mais difícil, as suas possibilidades de sucesso, de promover a arte portuguesa e os seus artistas, em comparação com outras galerias. Mas não é apenas um problema imediato para o negócio. É muito importante entender a importância da arte contemporânea na sociedade. E é nessa lógica que acho que essa reivindicação das galerias também faz muito sentido. Uma sociedade que abraça a arte contemporânea como uma plataforma de reflexão e de ideias para a construção de um futuro melhor.
Em Espanha o IVA é de 21%. Coloca-se a mesma questão?
Sim, em Espanha o IVA é de 21% e as galerias também estão a pedir uma redução, uma equiparação ao IVA de outros países europeus, seguindo a normativa europeia que permite o IVA reduzido para a cultura. É uma situação muito similar.
A ARCOlisboa vai na 8.ª edição. Os objetivos da vinda para Portugal estão a ser alcançados?
Os objetivos de uma feira de arte são sempre gerar interesse na arte contemporânea, gerar visibilidade e negócio para os artistas e as galerias. Este projeto, que surgiu no ano 2016, tinha muito a ver com com o dar visibilidade à cena artística portuguesa, também lusófona. E temos dado conta de que, ao longo dos anos de existência da feira, sim, temos conseguido este objetivo, porque as galerias portuguesas estão muito felizes com a feira e nasceram muitas galerias novas. Mas, além disso, há algo muito importante, que é a riqueza da cena artística portuguesa, as instituições, os espaços independentes. É muito interessante para os visitantes, que vêm de todas as partes do mundo, descobrirem a feira e descobrirem a cidade. Toda essa lógica de uma feira de arte, que além do negócio, que é o nosso primeiro nível de sucesso, envolve a compreensão da arte contemporâneo. E acho que estamos a cumprir esses dois objetivos e a crescer com eles, e a conseguir mais galerias jovens que queiram vir, etc. Acho que essa visibilidade que era tão importante está conseguida.
Tem números sobre o valor das transações na feira e de como tem evoluído?
O negócio das galerias na feira é muito privado. Na feira acontecem várias coisas. Há obras que se vendem no instante e há conversas que, talvez, comecem na ARCO, em Lisboa, e acabam noutra feira, em setembro. Esse valor, na verdade, não temos. O que temos é o compromisso das galerias, a fidelidade das galerias que, ano após ano, querem voltar. Mas, na realidade, como é um negócio privado, não temos esse dado da vendas.
As galerias têm de ser convidadas a participar?
Há duas maneiras de participar. A primeira é o que chamamos de programa geral da secção principal, onde as galerias têm que apresentar um projeto. E o nosso comité organizador seleciona-as através das suas propostas específicas para a feira. E outra maneira de entrar na feira é por seleção das equipas curatoriais para duas secções.
A secção Formas do Oceano, com a curadoria de Paulo Nascimento e Igor Simões, que falam da arte desde a África, com uma ideia pan-africana. Ou a secção Opening Lisboa, que é para galerias que participam pela primeira ou segunda vez, e que é curada por Diogo Pinto e Sofia Lanusse. E este é um lugar onde participam as galerias que querem aproximar-se de Lisboa e ver se esta feira é para eles. Mas por convite, nessa secção, sim.
O número de galerias tem vindo a aumentar, de ano para ano?
Este ano tempo 83, mas a feira começou com 45, cresceu ao longo dos oito anos. Mas é verdade que esse número, 83, pode ser 85, 86, mas por causa do espaço da Cordoaria Nacional, que é a nossa sede, e é um espaço muito querido por todos, é muito difícil crescer. Esse número de 83, 85, é um número estável para o futuro.
E gostariam de ter um espaço maior?
Não, creio que é bom que haja diferentes tipos de experiência nas feiras, e este feira, acho que podemos dizer que é uma das mais bonitas do mundo, porque o espaço aporta muito romanticismo também à visita. Não é tão necessário crescer e gerar mais necessidade, mas antes estabilizar este modelo. 80 galerias é muito conteúdo, não é uma feira pequena, mas podemos garantir mais sucesso para todas, o que é muito importante.
Em relação às 53 galerias estrangeiras, são sobretudo da Europa?
Vêm da Europa, sim, também do Brasil, temos quatro galerias este ano do Brasil, e também algumas de África e, sobretudo, onde há muita visibilidade internacional, é na secção de Opening, onde há galerias que vêm da Argentina, que vêm da Itália, que vêm de todos os lados.
Qual é o perfil dos compradores na feira?
Desde logo, há um perfil muito claro, que são os colecionadores das galerias, que são pessoas que compram constantemente. Mas na ARCOlisboa há preços para todo o tipo de compradores. Interessa-nos muito que venha gente jovem, e por isso este ano ampliamos o convite a jovens até aos 25 anos, que podem vir no sábado à tarde gratuitamente. Queremos que se aproximem da arte contemporânea através da feira, através da secção de editores ArtsLibris, onde há publicações de artistas e podem encontrar obras com muito bom preço.
Qual é a diferença entre a ARCOlisboa e a ARCOmadrid, para além da dimensão?
A dimensão é uma das principais diferenças, na realidade. A ARCOlisboa está muito centrada em que a cena de arte portuguesa tenha visibilidade. Obviamente que a ARCOmadrid, pela sua dimensão, tem outra internacionalidade. Mas trabalhamos as duas feiras com a mesma responsabilidade e profissionalismo, procurando compradores internacionais. O modelo é o mesmo, é uma questão de escala, mas a experiência de estar neste espaço da Cordoaria não é comparável a nenhuma outra feira.
Em Belém existem vários museus de arte contemporânea, o MAC/CCB, o MAAT, agora também o MACAM. Essas instituições ajudam a dinamizar o mercado da arte contemporânea?
Sem dúvida, é muito importante também para trazer para a feira, para a cidade, compradores e diretores de museus internacionais. Que sabem que há esses novos museus, que devem conhecer. Sim, isso é muito importante e sentimos que é a forma como a feira e a cidade se relacionam de uma maneira muito profunda. E temos acordo com museus, para que os nossos convidados os visitem - gera-se um espaço muito especial.
Em relação à programação deste ano, o que é que destaca?
Logicamente, as galerias, as galerias jovens e todo o programa geral. Este ano acredito que as conferências serão muito interessantes. Começamos na sexta-feira com uma conversa entre Delfim Sardo e António Montada, que explica muito bem também o espírito, essa conexão idêntica também que tem a feira, na voz e nas palavras dessas pessoas tão importantes para o estudo da arte em nossos dois países.
E, depois, algumas reflexões sobre os museus privados, fazendo uma homenagem à abertura do MACAM, sobre a assessoria de arte, há muitos contéudos no fórum para aqueles que se interessem, além de visitar todas as galerias. E, também, a ArtsLibris, o espaço de edições de arte contemporânea, que são uma porta muito importante para se começar a interessar por arte.
O Prémio MACAM é uma novidade este ano?
Sim, é uma novidade. Uma das missões, a missão principal da feira é conseguir o sucesso das galerias, e falamos com o Armando Martins e com a sua equipa, e pensamos que era muito importante explicar o quão importante é ser colecionador. Ele fez isso criando um museu. É um prémio de aquisição, ainda não sabemos a quem, mas é um prémio novo. E há outro prémio novo de uma colecionadora espanhola, que também deu um prémio de aquisição, e desse modo também explicamos esta conexão tão profunda entre Espanha e Portugal, através da feira.
As feiras também permitem olhar para o futuro, são um espaço de inovação, de experimentação também?
Essa experimentação, nas feiras, passa pelo trabalho dos artistas. O que fazemos na feira é criar um espaço de visibilidade para eles, através de suas galerias. É um modelo muito antigo, o modelo da feira, medieval, no entanto, o que conseguimos com esse modelo, que é tão tradicional, é colocar em contacto, dar muita visibilidade e deixar que sejam as obras dos artistas a falar. Não somos autores, a feira é um tradutor, não uma voz. Por isso, para mim, é importante destacar que, sim, é um lugar de inovação, porque a arte contemporânea, na sua lógica, é pura inovação.