O título português adota a expressão familiar “o estranho caso”. O que talvez se justifique como uma forma de ficar no ouvido. Mas se traduzíssemos à letra do original The Twisted Tale of Amanda Knox, a minissérie que agora recupera a história verídica da jovem condenada em Itália, há quase duas décadas, pelo assassinato da sua roommate Meredith Kercher, seria qualquer coisa como “O Conto Distorcido de Amanda Knox”. Porquê pegar por aqui? Porque os detalhes contam, e é precisamente a essência do termo “twisted tale” que deve conduzir o espectador na proposta deste drama concebido por K.J. Steinberg (uma das produtoras e argumentistas de This is Us), que se baseou nas memórias de Knox publicadas em 2013 (Waiting to Be Heard), contando com o crédito de produção da própria, ao lado de Monica Lewinsky, outra mulher de “má reputação”, marcada pelo escândalo Bill Clinton. Não é que O Estranho Caso de Amanda Knox venha apaziguar ou mudar a opinião de quem se ficou pelas certezas fundadas no espetáculo mediático dos primeiros tempos, colando à presença da estudante americana em Perúgia uma imagem depravada. Mas há nesta série de oito episódios, em estreia amanhã no Disney+, uma perspetiva sólida de como os acontecimentos avassaladores de 2007 foram sentidos por Knox, enquanto jovem “caçada” nos julgamentos primários da polícia italiana, sem grande margem de comunicação – o seu domínio da língua local era ainda insuficiente e os indícios comportamentais (estar aos beijos com o namorado italiano durante a recolha de provas ou a suposta ausência de tristeza perante o sucedido) não ajudaram a afastar a tendência da suspeita. O certo é que Steinberg optou mesmo por uma abordagem algo excêntrica da história sombria, privilegiando, aparentemente, o ângulo jovial da protagonista, como se a idade que ela tinha na altura (20 anos) funcionasse como uma lente sobre a realidade. Ou seja, é provável que cause alguma irritabilidade a leveza de estilo de alguns momentos narrativos, assim como o sublinhado da alucinação que tomou conta de Amanda durante o abusivo interrogatório da polícia, que fabricou previamente o rumo das declarações. De resto, essa é uma das cenas cruciais, porque todo o processo dentro do sistema de justiça italiano começou ali: da instigada confusão mental de Knox nasceu o envolvimento do namorado, Raffaele Sollecito, e, sobretudo, a falsa acusação de Patrick Lumumba, desfeita pouco depois. Castigo sem crime Para quem tem apenas uma vaga ideia do andamento e desfecho do caso, importa lembrar: Amanda Knox e Sollecito foram duas vezes condenados, passaram quatro anos na prisão, e a liberdade alcançada em 2011 só se tornou definitiva em 2015, quando todas as perícias os inocentaram. Por sua vez, Rudy Guede, um habitante de Perúgia com historial de assaltos e violência, cujas impressões digitais e ADN estavam espalhados por toda a cena do crime, passou quase despercebido no meio do circo mediático, apesar de ter sido condenado num julgamento à parte, em 2008 (saiu da prisão em 2021, cumprindo 13 dos 16 anos de sentença). Como fica evidente, ao promotor de justiça Giuliano Mignini interessou o alimentar de teorias obscenas que correspondessem ao instinto básico da polícia, convencida de que a postura não convencional de Amanda Knox era um atestado de culpa. Porém, a série não o pinta em tons severos – tenta humanizá-lo, oferecer um contexto para a sua atitude inflexível, e mostra como Knox, num gesto católico, escolheu perdoá-lo. Outro destaque será, naturalmente, a interpretação de Grace Van Patten (que substituiu Margaret Qualley por questões de agenda da atriz), notável no captar da descontração “muito americana” de Knox, e dos sentimentos assoberbantes que a moldaram no tempo que passou entre a prisão e o tribunal. Depois de dois livros de memórias, podcasts e um documentário Netflix, O Estranho Caso de Amanda Knox apresenta-se como a primeira ficção televisiva assente na sua versão dos factos, que, pela via do drama, procura esclarecer o que aconteceu em Perúgia naquele fatídico ano de 2007. Será bem-sucedida num mundo que produz certezas para consumo, e onde a “verdade” teima em ser confundida com o sensacionalismo? Como se ouve alguém dizer, este é o poder das histórias. Os dois primeiros episódios de O Estranho Caso de Amanda Knox são disponibilizados esta quarta-feira, 20 de agosto, seguindo-se um novo episódio por semana. .Amanda Knox aliviada após absolvição do Supremo Tribunal de Itália