Assim à primeira vista parece que não bate a bota com a perdigota. Quanta elasticidade de imaginação é necessária para colocar lado a lado Alien, o famoso monstro do Espaço com uma tendência peculiar para produzir saliva espessa, e Peter Pan, o rapaz que se recusa a crescer? A resposta reside na mente de Noah Hawley, o homem que nos deu a versão televisiva da comédia negra Fargo (2014-2024), e que agora regressa às lides do pequeno ecrã nos termos da ficção científica. Portanto: a cruzarem-se os universos narrativos, cinematográfico e literário, das duas personagens, pode dizer-se que não será dentro da mesma nave, mas na superfície do globo terrestre... Esta é a premissa de Alien: Planeta Terra, a série que “interrompe” a saga iniciada com o filme O 8º Passageiro, de Ridley Scott, para trazer novos mundos ao mundo de uma franchise que ainda não cessou de cativar os fãs. Entre a natureza e a tecnologia, com a humanidade ao barulho, os oito episódios que vão ficar disponíveis no Disney+ (ao ritmo de um por semana) têm como missão construir “um drama humano onde se exploram muitas questões sobre o mundo em que vivemos, com a única diferença de estarem projetadas para o futuro”, palavras do referido criador, Noah Hawley, que falou com a imprensa numa conferência virtual onde o DN marcou presença. .Qual então a origem da colisão destes imaginários icónicos? “Para mim, tudo começou pelo facto de estar a criar os meus filhos”, explica. “E estou a criá-los num mundo em que a natureza começa a voltar-se contra nós, e a tecnologia que desenvolvemos... ainda não se sabe se vai pelo mesmo caminho. Quando me perguntaram se tinha alguma ideia para Alien, pensei ‘bem, é disso que Alien trata’. São monstros primordiais que estão a tentar matar a Sigourney [Weaver], ao mesmo tempo que o futuro da Inteligência Artificial também o está a tentar fazer. Então, percebe-se que a humanidade está presa entre o futuro da IA e os monstros do passado. De resto, assim que tive a ideia de trazer crianças para a história — mentes humanas transferidas para corpos sintéticos —, a analogia com Peter Pan surgiu rapidamente”. Tentando resumir, Alien: Earth apresenta um cenário em que a “tradicional” nave de investigação que aloja a criatura se despenha na Terra, no ano de 2120, quando o planeta é governado por empresas. A partir daí, uma equipa de rapazes e raparigas híbridos (os seres de corpos sintéticos com consciência humana), levada ao local, faz a descoberta da ameaça, transformando-se esta em objeto de curiosidade científica por parte de um “Peter Pan” das big techs, desejoso de travar conhecimento com espécies alienígenas... De nome Boy Kavalier, mas com todo um perfil evocativo da personagem clássica saída da pena de J.M. Barrie, esse jovem prodígio surge como o dono dos tais híbridos (“Meninos Perdidos”) – ou regente da sua própria Terra do Nunca –, que vai tornar mais complexa a reflexão sobre o progresso tecnológico no interior da saga, com um cheirinho a modus operandi capitalista. Ou seja, não temos aqui apenas sequências de ação que mostram um predador atrás das suas vítimas, mas sim um gesto arqueológico dentro da estética segura inventada por Ridley Scott. Wendy do futuro Havendo um Peter Pan, há também uma Wendy, que pode ser considerada a protagonista, já que, enquanto protótipo da sua classe híbrida, ela representa o grande enigma da série, no contacto com a figura do Alien. Como interpretar esse ser meio humano, meio sintético? “Eu tinha presente esta imagem de dois ímanes a pressionarem-se um contra o outro, sem se tocarem. E esses ímanes são a mente (território conhecido) e o corpo (um território desconhecido), que não se tocam. É como se o vazio entre os dois fosse o alvo da procura de Wendy”, diz, em tom filosófico, a atriz Sydney Chandler, detentora de uma expressão facial que se adequa bem à era das máquinas. Quanto ao papel de Scott como produtor executivo, David W. Zucker, outro dos produtores envolvidos, esclarece: “Ridley fez os filmes que lhe interessavam neste universo, e em todos os projetos da Scott Free esteve realmente empenhado em apoiar e dar informações. Ou seja, ele adora o processo de fazer filmes, adora construir mundos, e entusiasma-se no acompanhamento daquilo que virá a ser o projeto. Mas a última coisa que quer é atrapalhar a visão de outro cineasta”. Em suma, este Alien: Planeta Terra é inequivocamente uma criação de Noah Hawley.