Afinal, a Holanda ainda é o que era
Convenhamos que a descoberta de um filme intitulado Holland (Prime Video) suscita, no mínimo, alguma perversa curiosidade. Quanto mais não seja porque o país que muitas gerações conheceram como Holanda se designa, oficialmente, desde 1 de janeiro de 2020, como Países Baixos — o que implica também que os seus cidadãos são neerlandeses.
Mas não estamos perante um documentário histórico, longe disso. Dir-se-ia que o filme realizado por Mimi Cave nasce de um impulso nostálgico, sem nada de político, ainda menos de cinéfilo, antes eminentemente geográfico. A Holland do título é uma cidadezinha americana (menos de 40 mil habitantes), no estado do Michigan, fundada em meados do século XIX por descendentes de holandeses e flamengos. De tal modo que os seus espaços urbanos, e também alguns dos seus rituais festivos, exibem as marcas de uma cultura europeia que, agora, em ambiências americanas do século XXI, adquirem qualquer coisa de bizarro, desconcertante e kitsch.
O efeito de tudo isto é tanto mais desconcertante quanto o filme arranca, precisamente, com uma breve amostragem das tradições holandesas de Holland (a redundância justifica-se), desembocando na apresentação da personagem central: Nancy Vandergroot, uma professora que vive a felicidade da sua família tradicional, permitindo a Nicole Kidman mais uma impecável composição, ora intimista, ora feérica, que nos confirma o seu gosto pela comédia.
Comédia? Digamos que sim, ainda que o seu desenvolvimento possa adquirir algum insólito negrume. Isto porque Nancy suspeita que as frequentes viagens de trabalho do marido Fred (Matthew Macfadyen, nosso conhecido como o Tom Wambsgans da série Succession) sejam outras tantas aventuras extra-conjugais. Depois de dar conta dos seus pressentimentos a um colega (Gael García Bernal, pouco à vontade no papel que lhe calhou), ambos decidem investigar a situação, não sem partilharem uma cumplicidade um pouco mais que platónica...
Holland é um filme recheado de situações sugestivas, especialmente competente na introdução de elementos cenográficos que, como o espectador irá percebendo, estão para lá de uma função meramente decorativa — observe-se, sobretudo, a cidadezinha miniatura, que Fred vai construindo com o filho do casal. O certo é que a dimensão “holandesa” do arranque vai-se diluindo num registo à beira do burlesco, dispensando todos os elementos “etnográficos” que pareciam essenciais ao espírito da história que se vai contar. Em resumo, nas suas qualidades de execução, tanto quanto na arbitrariedade das suas opções formais, Holland reflete um problema que perpassa por muitos títulos gerados pelas plataformas de streaming: uma curiosa premissa que se vai diluindo na desorganização narrativa.