Durante as celebrações do Ano Novo dos Miao, no concelho de Leishan (província de Guizhou), as mulheres Miao usam toucados de prata, colares e outros ornamentos tradicionais de prata, exibindo a originalidade estética deste povo.
Durante as celebrações do Ano Novo dos Miao, no concelho de Leishan (província de Guizhou), as mulheres Miao usam toucados de prata, colares e outros ornamentos tradicionais de prata, exibindo a originalidade estética deste povo.

Adornos Miao: a prata como expressão da alma

Os ornamentos de prata dos Miao são um símbolo importante da cultura deste povo. A sua técnica de fabrico única está principalmente distribuída pelas províncias de Guizhou, Hunan e Guangxi, na China.
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Nas montanhas do sudeste da província de Guizhou, na China, encontra-se uma etnia para a qual a prata encarna o espírito coletivo dos seus membros - os Miao. Todas as manhãs, o tilintar dos martelos desperta as aldeias dos Miao, onde artesãos, com técnicas herdadas ao longo de gerações, moldam a prata pura em requintados adornos gravados com a história, a fé e a sabedoria do seu povo.

O uso de adornos de prata entre os Miao tem origem nas cinco grandes migrações étnicas ocorridas ao longo de mais de 2000 anos. Durante estas deslocações, a prata, devido ao seu pequeno volume e elevado valor, foi progressivamente adotada como substituto da moeda. Os adornos de prata usados por uma noiva Miao, quando se casa, podem chegar a pesar 15 quilos - adornos que podem ser reutilizados para garantir a sobrevivência da família em caso de necessidade.

Para além da sua função prática, a prata tem um importante significado espiritual para os Miao: os recém-nascidos usam amuletos de prata gravados com o bagua (oito trigramas) para afastar os maus espíritos; e é colocada uma pequena peça de prata na boca dos falecidos, como “bilhete de passagem” para o mundo dos antepassados. Para os Miao, a prata liga o mundo espiritual ao mundo terreno.

Na cultura Miao, a prata representa não apenas riqueza e status, mas também pureza, lucidez  e saúde, sendo considerada um amuleto contra os maus espíritos.
Na cultura Miao, a prata representa não apenas riqueza e status, mas também pureza, lucidez e saúde, sendo considerada um amuleto contra os maus espíritos.

A arte de ourivesaria em prata do povo Miao teve origem na Dinastia Ming (1368-1644) e tornou-se popular durante a Dinastia Qing (1644-1911). Ao longo do tempo, esta técnica foi-se aperfeiçoando e tornou-se cada vez mais complexa, até exigir mais de 30 etapas distintas - todas executadas manualmente. A confeção de uma peça simples leva 7 a 15 dias, enquanto um toucado elaborado pode demorar entre 45 e 60 dias a ser concluído.

O processo começa com a fusão da prata: lingotes ou peças antigas recicladas são colocados num recipiente de cerâmica e fundidos a altas temperaturas, sendo depois vertidos em moldes para formar barras de prata - uma fase que exige um controlo rigoroso do calor. Em seguida, tem início a fase da forja. As barras são marteladas repetidamente até se transformarem em tiras ou fios finos. Um artesão experiente consegue alongar 1 grama de prata até obter um fio com 2 metros de comprimento e diâmetro inferior ao de um cabelo humano.

Depois de moldadas, as tiras de prata entram numa fase crucial: a gravação. Nesta etapa, o artesão utiliza ferramentas feitas à mão para cinzelar a prata com dezenas de milhares de golpes minuciosos, formando delicados motivos, como borboletas, folhas de ácer e peixes-dragão. Estes desenhos não são meramente decorativos - contam mitos e histórias ancestrais dos Miao: a borboleta representa a “Mãe Borboleta”, figura lendária que criou todas as coisas; a folha de ácer simboliza a árvore sagrada da origem da vida; e o peixe-dragão é considerado o espírito protetor das aldeias Miao.

Após a gravação, as peças de prata são montadas e soldadas. Um toucado de grandes dimensões pode conter mais de 20 componentes móveis, exigindo equilíbrio entre solidez e leveza, de modo a que o tilintar da prata em movimento produza sons melodiosos. Por fim, a peça é mergulhada numa solução especial, resultando num adorno de prata de brilho deslumbrante.

Em 2006, a ourivesaria tradicional em prata do povo Miao foi incluída na lista do Património Cultural Imaterial Nacional da China. A continuidade desta arte milenar é assegurada através da transmissão familiar e de modelos educativos inovadores, que, juntos, mantêm viva a alma desta técnica ancestral com milhares de anos, que está hoje a renascer com novo vigor.

Yang Zhenggui, mestre herdeiro reconhecido a nível nacional, começou a aprender a arte com o pai, aos 12 anos. Quebrando a antiga tradição de transmissão do ofício apenas aos descendentes do sexo masculino, Yang abriu uma loja e fundou um atelier de Património Imaterial, onde não só ensinou os próprios filhos e filhas como também formou mais de 60 aprendizes.

Yang Zhenggui, guardião reconhecido da técnica Miao de fabrico de ornamentos em prata, classificada como Património Cultural Imaterial Nacional, acerta os detalhes de um chapéu de prata no seu atelier.
Yang Zhenggui, guardião reconhecido da técnica Miao de fabrico de ornamentos em prata, classificada como Património Cultural Imaterial Nacional, acerta os detalhes de um chapéu de prata no seu atelier.

Yang Zhenggui tem igualmente inovado na arte da gravação em prata. Além dos motivos tradicionais, como dragões, fénices, flores e aves, começou a incorporar elementos culturais do quotidiano nas suas criações, por exemplo a “borboleta de estilo maltês” ou o símbolo de copas, desenvolvendo novos estilos adaptados ao uso diário. Estas inovações conquistaram o público e tornaram-se muito populares, enchendo de clientes a sua pequena loja com menos de 20 metros quadrados.

Impulsionada pela crescente valorização do Património Imaterial, na China, e pela procura cada vez maior do mercado, a ourivesaria em prata do povo Miao tem vindo a adaptar-se aos novos tempos. Novas gerações de artesãos e a introdução de técnicas de produção assistida por máquinas permitem a esta arte a preservação das suas técnicas essenciais em simultâneo com um aumento significativo na eficiência. Assim, esta cultura singular e a sua estética refinada ultrapassaram os limites das aldeias tradicionais, conquistando a admiração de um público cada vez mais vasto, tanto na China, como em várias partes do mundo.

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