O lançamento de Adeus, June, na Netflix, em plena quadra natalícia pode contribuir para um equívoco que, mesmo com todas as suas limitações, o filme não merece. Assim, dir-se-ia que estamos perante um rotineiro “filme de Natal”, quer dizer, um retrato de uma família construído a partir de alguns clichés decorrentes dos tradicionais conflitos geracionais. Em boa verdade, esta estreia de Kate Winslet na realização procura um pouco mais do que isso, quanto mais não seja porque cada uma das personagens é objeto de um tratamento que resiste aos clichés mais óbvios — na origem está o argumento de Joe Anders (22 anos), nascido do casamento de Winslet com o realizador Sam Mendes. O filme apresenta-se como um pequeno conto moral cujo desenvolvimento, valha a verdade, não é estranho aos rituais natalícios. June, matriarca da família Cheshire, está no hospital e tudo indica que o seu cancro tenha entrado em fase terminal — o inverno está a chegar e ninguém pode garantir que ela resistirá até ao Natal. Connor, o filho mais próximo da mãe, tenta contactar as três irmãs, Julia, Molly e Helen, procurando mobilizá-las para acompanharem a mãe nos seus dias finais. É uma missão nada fácil de concretizar, de tal modo as clivagens familiares, sobretudo entre Julia e Molly, remontam a peripécias de infância... Não admira que Kate Winslet, por certo aplicando a sua experiência de atriz, nos ofereça uma galeria de intérpretes capaz de sustentar um suave crescendo dramático. Para si própria, Winslet guardou a personagem de Julia, com Andrea Riseborough e Toni Collette nos papéis de Molly e Helen, respectivamente. A veterana Helen Mirren assume a figura de June, estando o marido, Bernie, entregue a Timothy Spall. Johnny Flynn, actor de modelar contenção (que vimos, por exemplo, na mini-série Ripley, de Steve Zaillian) interpreta Connor, o “elo mais fraco” deste xadrez familiar. Não seria fácil encontrar o equilíbrio narrativo mais justo para um filme cujas cenas decorrem, quase na totalidade, num hospital. Winslet evita os grandes sublinhados dramáticos, olhando cada uma das personagens como um rosto de uma história multifacetada em que os diálogos do presente podem ser tão importantes como os silêncios que provêm do passado — veja-se a cena em que, pressionadas pela mãe, Julia e Molly tentam encontrar palavras de reconciliação, num breve exercício com qualquer coisa de teatral, tirando partido da gélida profundidade de um corredor de hospital. São razões para supormos que a experiência de Winslet como realizadora é para continuar. .'Miroirs Nº 3'. O cinema é um jogo de espelhos .'13 Dias, 13 Noites'. Memórias do último Festival de Cannes