Com o quotidiano invadido pela formatação narrativa e emocional das telenovelas, será que ainda há espaço para o melodrama? A pergunta adquire especial estranheza no contexto português, já que o adjetivo “melodramático” continua a ser frequentemente usado como sinónimo de coisa superficial e anedótica. O que significa que é cada vez mais fraca a memória de autores clássicos como Griffith, Cukor ou Minnelli… Enfim, digamos que essa memória não falta ao francês Stéphane Brizé que volta a surpreender com A Vida entre Nós, um belo melodrama marcado pelas magníficas interpretações de Guillaume Canet e Alba Rohrwacher. A magia do melodrama não nasce, automaticamente, da exposição cristalina da intimidade. Poderá dizer-se que é um pouco o “contrário” disso que acontece: para os protagonistas, a proximidade das sensações e dos corpos - também das almas, se quisermos ser metafísicos - está longe de garantir um conhecimento absoluto do outro.Mathieu (Canet) e Alice (Rohrwacher) vivem aquilo que, convocando um sabor eminentemente literário, podemos chamar um posfácio da relação que tiveram há cerca de 15 anos. Ele é um ator muito conhecido, ela uma professora de piano - por acaso ou por destino (o melodrama faz-se também dessas ambiguidades), reencontram-se nas termas em que Mathieu decidiu passar um tempo de descanso…Stéphane Brizé começa por ser um brilhante diretor de atores - pensando nos seus títulos anteriores, lembremos os exemplos de Vincent Lindon em A Lei do Mercado (2015) ou Judith Chemla em A Vida de uma Mulher (2016). Ele interessa-se por tudo o que, na definição de uma personagem, lhe confere a instabilidade daquilo que é dito e de tudo o que acontece através de um labirinto de silêncios que, por vezes, nem sequer ocupam a consciência de cada um (espectador incluído). Ou ainda: Mathieu e Alice reveem-se nas evocações que partilham, ao mesmo tempo que tais evocações sublinham as diferenças de perceção do amor que, agora, recordam e, num certo sentido, revisitam.O título original de A Vida entre Nós é Hors-Saison, ou seja, à letra, “fora de estação” - como a fruta que amadureceu mal por ter surgido no tempo errado que as leis naturais determinam. A metáfora está longe de ser gratuita, já que é vocação do melodrama discutir a mitologia da natureza como entidade transparente e, de alguma maneira, redentora. Com a discreta precisão de um cientista que quer inventariar os enigmas do mundo que observa, Brizé redescobre a verdade primordial do melodrama como uma narrativa entrelaçada entre “música” e “drama” - o que pode ser também tomado à letra, já que este é um filme servido por uma belíssima banda sonora original composta por Vincent Delerm.