A natureza, a “loucura” e a religião expostas no MAAT

A natureza, a “loucura” e a religião expostas no MAAT

O Nosso Barco Tambor Terra de Ernesto Neto vai estar patente na Galeria Oval a partir de 2 de maio até 7 de outubro. No MAAT Central, estará a exposição Procissão: Louvar e Santificar até 26 de agosto.
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“Nosso barco tambor terra, tambo té, tambo té”, é a frase que se  lê na parede branca da galeria Oval do MAAT, em Lisboa. No centro da sala, encontra-se uma das maiores esculturas realizadas pelo artista brasileiro Ernesto Neto, nascido em 1964, intitulada Nosso Barco Tambor Terra.  E que ficará patente no museu até 7 de outubro. Durante meses, o artista desenvolveu esta escultura em forma de barco para dialogar com o espaço  arquitetónico do MAAT e com o rio Tejo. Ido do teto da galeria até ao chão, o barco é feito de chita -  um tecido de algodão originalmente indiano mas que está difundido no Brasil. Apesar das suas estampagens de flores, o tecido foi cortado em tiras, esticado e depois utilizado para fazer croché com uma técnica desenvolvida ao longo de anos no ateliê do artista no Rio de Janeiro e que  o artista aprendeu a fazer em 1994 por influência da sua avó. 

Ao longo da escultura estão incorporados tambores de diversos países, do Brasil à Tailândia, e os visitantes são convidados a entrar no barco (com ou sem sapatos) para sentir a terra e podem tocar os respetivos tambores. 

Para o artista, presente na apresentação da exposição à comunicação social,  a maior dificuldade da peça foi mesmo a criação do seu conceito. Inicialmente começou por ser um peixe, depois um planisfério e, por fim, o barco tambor-terra. Contudo, explica “esta peça não deixou de ser um peixe, um planisfério, e  na verdade sempre foi um barco, sem eu perceber. É  curioso porque eu queria ter um barco e não sabia como representar esse barco”, explicou o artista ao DN. Ernesto Neto referiu ainda que a união entre o tecido e o corpo dos tambores foi outro dos desafios durante a sua conceção: “ O instrumento é um objeto estranho. É geométrico, é mais duro e estável”. 

Procissão: Louvar e Santificar

Já no MAAT Central, (no edifício da Central Tejo)  está patente até 26 de agosto a exposição Procissão: Louvar e Santificar produzida pelo Manicómio, um projeto de artistas residentes no bairro do Beato, em Lisboa, que experienciaram ou experienciam doenças mentais. Estas obras pretendem “celebrar a loucura”, indica o curador, Sandro Resende.“Aqui mostramos um caminho que nós fomos conquistando ao longo destes anos todos. Queremos que as pessoas olhem para os trabalhos destas pessoas apenas pelo seu valor artístico e não pela doença que talvez possam ter tido ou tenham”, acrescentou.Ao entrar, a primeira obra que vemos pendurada no teto é da autoria de Joana Ramalho. A pele sintética tem cozido letras que formam a oração do Pai Nosso. Segue-se depois a obra de Anabela Soares feita com estandartes azuis e neles estão bordadas a dourado frases que refletem os seus pensamentos e sentimentos. “Eu sinto dor. Fizeram de mim monstro”, é uma delas.  

A obra de Cláudia R. Sampaio  , intitulada Carrossel, pretende homenagear a loucura. Neste Carrossel, rodam quadros pintados pela artista, inspirados em pinturas religiosas. Neste projeto artístico estão algumas frases de poemas de Cláudia R. Sampaio sobre a loucura. “A ideia de Carrossel é quase como  uma metáfora de uma cabeça que não para de andar à volta. E de ter pensamentos constantes”, explicou a artista aos jornalistas durante a visita.  Já o trabalho de Micaela Fikoff  é inspirado no Santo Sudário, lençol que tem a marca da cara de um homem, que  alguns dizem ser a cara de Jesus Cristo. “Supostamente o Santo Sudário é impressão de uma pessoa atingiu o máximo e a glória. O meu é exatamente o oposto. É toda a agitação de pessoas que têm doenças”, explicou a artista. 

Em lençóis hospitalares do Júlio de Matos está pintado e bordado a vermelho “o Pai, Filho e o Espírito Santo”. O Pai está representado com três caras, o Filho é representado com um corpo humano e Espírito Santo são dois braços esticados a pedir ajuda.  Numa sala separada, está projetado o trabalho de Pedro Ventura: quatro vídeos que mostram o trajeto do artista ao sair de casa  em Alenquer. O artista demonstra as suas dificuldades sem vergonha e deixa aos espetadores a sua interpretação.  E em loop, está ainda a obra de Filipe Cerqueira em vídeo. Nele artista encarna o ator português João Villaret a declamar a canção Procissão.

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