Em que fase anda o cinema afro-americano? Pelas ruas da amargura não andará, por certo. Em bom rigor, são cada vez mais as propostas de um cinema feito para e por negros. O grande problema é que parece estar a ser criada uma padronização estilística desse cinema e um filme como este parece ser uma prova flagrante. As temáticas que abordam histórias de memórias de racismo e de sobrevivência à segregação parecem impor-se à substância e A Lição de Piano não é exceção, antes pelo contrário, parece mesmo beber à fonte do cliché. .Baseado na conhecida peça de August Wilson, The Piano Lesson, esta é uma história sobre um segredo que assola uma família de ex-escravos na América dos anos 1930, em que dois irmãos tentam lutar por um piano que parece amaldiçoado na casa do tio (um Samuel L. Jackson a retomar o papel que recentemente interpretou na Broadway). A irmã, uma Danielle Deadwyler a encarnar uma viúva traumatizada, quer manter as memórias da mãe através do instrumento, enquanto que o irmão negociante, um John David Washington em muito bom plano, tenta vendê-lo e com isso afastar os eventuais fantasmas. Mas, aos poucos, esta família acaba por ser realmente assolada por um fantasma do antigo dono, um proprietário de escravos cruel que morreu atirado para um poço. .O estreante Malcolm Washington, filho de Denzel Washington e irmão do protagonista John David, pega neste material com alguma vontade de resolver os contornos mais de palco da peça de August Wilson, dramaturgo que sempre procurou dar voz às histórias da população negra americana. E é nessa procura que mete o pé na poça, seja a ilustrar de forma explícita os acontecimentos que se contam - quase que parecem flashbacks para espectadores com problemas de compreensão - seja em pequenos efeitos estéticos redundantes. Se as anteriores adaptações eram aqui e ali curiosas, Vedações, de Denzel Washington e Ma Rainey- A Mãe dos Blues, de George C. Wolfe, esta é nitidamente coxa e sem o cinema que o teatro pode dar. Apenas se tira o chapéu na forma quando a métrica dos diálogos contém uma ideia de tempo dramático - é só ai que há uma ideia de cineasta, precisamente quando mistura com fleuma o teatro e o cinema..Mais uma vez, é o cinema da Netflix a dar ideia de um aproveitamento demográfico, quase a cumprir a quota, do género “outro filme para o público negro”. E não é por acaso que o estúdio de Ted Sarandos o quis inicialmente posicionar como “frontrunner” para a temporada dos prémios, mas, agora, depois de uma receção tépida na América, só está a apostar nas nomeações para os diversos prémios da interpretação secundária para Danielle Deadwyler, atriz que às vezes parece que se esforça em demasia no seu registo empertigado…Outro dos notórios calcanhares de Aquiles desta obra é a sua insistência no registo fantasmagórico. A realização, na ponta final, joga tudo no “look” de filme de terror destas novas tendências. Aqui há fantasmas adultos mas convencem pouco…