A América racista num tribunal

A justiça na América continua a originar espetáculos de cinema bastante empolgantes.<em> Justiça para Todos</em>, de Destin Daniel Creton, é o regresso das grandes histórias verdadeiras dos tribunais americanos. Foi isco para os Óscares mas ficou à porta...
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Um filme de tribunal simples e sem novas modas. Just Mercy (Tudo pela Justiça) terá ficado fora das conjeturas da temporada dos prémios porque no TIFF, em Toronto, não teve o mesmo "hype" de obras como Jojo Rabbitt, Joker ou Le Mans'66 - O Duelo, mas a sua justeza e falta de sofisticação dos novos dias é precisamente aquilo que lhe dá mais charme.

Inspirado nas ações do advogado Brian Stevenson, famoso por defender homens inocentes com a pena de morte atrás de si, a história desvenda a odisseia do seu primeiro caso onde havia que ilibar o inocente Walter, um homem afro-americano honesto acusado da morte de um jovem de 18 anos em 1987. Prestes a poder entrar para a cadeira elétrica, Walter é ajudado por este advogado em começo de carreira que descobre que todo este caso estava cheio de falta de provas e de ações racistas das forças policiais do Alabama.

De forma quixotesca, Brian luta contra um sistema social que encobria manobras racistas da polícia e dos tribunais. Um caso que tocou bem forte no coração da América e que privou de liberdade um dos inocentes mais mediáticos do sistema judicial do interior dos EUA.

Destin Daniel Creton, alguém a tentar passar do cinema "indie" para a notoriedade "mainstream" enceta uma retoma do modelo clássico do filme de tribunal com um classicismo sério e nobre, mostrando uma vertente liberal de Hollywood na exposição das grandes histórias que relatam injustiças sociais ou que denunciam flagelos do aparelho da máquina do "establishment" americano, coisa que não deixa de ser curioso em 2019, ano que deu à América filmes de índole de denúncia como Bombshell - O Escândalo, de Jay Roach, pronto para estrear já para a semana, e Dark Waters - Verdade Envenenada, de Todd Haynes, atualmente em exibição.

É como se Hollywood tivesse passado uma procuração para um novíssimo liberalismo. No caso de Tudo pela Justiça há ainda a nostalgia do efeito puro e duro do filme-de-tribunal, género sempre complicado, sobretudo quando a incompetência da "mise-en-scène" resvala para os lugares comuns do telefilme. Aqui, Creton parece ter a lição bem estudada e filma os diálogos do tribunal com uma força exemplar. Mas nem sempre o argumento envereda pelo "feitiço" dos clímax de tribunal: na primeira metade perde-se algum tempo com apontamentos folhetinescos e a santificar com excesso o advogado herói, acabando pela exposição de um racismo cultural da América sulista ser tratada com uma carga bem baça. Porém, é quando fica mais seco e sem desvios que o filme entra nos eixos e aí importa reavaliar se a zona de conforto narrativo que propõe ao espetador é um pacto ou uma condicionante.

A resposta deverá estar no meio termo. Tudo Pela Justiça não tem o que é preciso para se elevar mas nunca derrapa. Poderia, por exemplo, exigir muito mais dos seus atores: Michael B. Jordan faz uma composição a "jogar à defesa" e Brie Larson não explode como em tempos de Room ou Temporário 12, longe disso. Valha-nos um Jamie Foxx em "underacting" no papel do acusado, um ator que tem tido péssimas escolhas de carreira mas que agora foi neste papel "recuperado", tendo até arrecadado a nomeação para os Screen Actors Guild.

Nesta conjuntura de mercado, sem a força das nomeações dos Óscares e com a tradição muito pobre em Portugal de filmes que abordem questões da sociedade negra da América, espera-se que passe despercebido no mercado nacional...

*** Com interesse

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