O trabalho de Chinnery exerceu grande influência nos artistas chineses de Cantão seus contemporâneos, assim como em pintores macaenses e nos habitantes ocidentais de Macau da altura. A emergência daquilo que hoje se conhece por “estilo de pintura de Chinnery” impressionou os mecenas chineses e ocidentais e inspirou vários artistas chineses a adoptarem novas técnicas para a produção de “pinturas para exportação” - isto é, quadros criados na China ao estilo ocidental durante os séculos XVIII e XIX para exportação para os mercados europeu e norte-americano.Chinnery deixou para a posteridade milhares de obras, incluindo esboços, aguarelas e óleos. Ao certo, não se sabe quantos trabalhos, já que muitos não estão assinados, embora tenham a marca inconfundível do seu estilo.Seria expectável que tamanha quantidade diminuísse o valor comercial das obras, mas os números provam o contrário. Um leilão em 2021 de um livro de esboços feitos em 1838 atingiu as 52 mil libras (cerca de 560 mil patacas), cinco vezes mais que o preço base. Em 2022, um esboço da Baía da Praia Grande, leiloado pela prestigiada Christie’s, foi arrebatado por mais de 7500 libras, bastante acima do valor inicialmente estimado.A par de coleções privadas, incluindo a do banco HSBC, a maior parte das obras de Chinnery está guardada em instituições museológicas como o Museu Vitória e Alberto e o Museu Britânico, ambos no Reino Unido, bem como o Museu de História de Hong Kong, o Museu de Guangdong e a Sociedade de Geografia de Lisboa. O Museu de Arte de Macau conta igualmente com um espólio alargado de obras do artista.Uma visita ao atelier de ChinneryAlgures entre 1838 e 1840, George C. Read (1788-1862), oficial da marinha dos Estados Unidos, encontrou-se com Chinnery no atelier que este tinha na sua residência. No relato que fez desse encontro, Read conta: “Durante alguns momentos, observámos os esboços que ali estavam, em particular uma imagem verdadeiramente excelente do Sr. Russel Sturgis [negociante norte-americano] e outra igualmente excelente do próprio artista, quando ele apareceu, uma figura corpulenta com um ar bastante francês e um longo vestido azul. Tinha uma boca grande, olhos sorridentes, as faces avermelhadas e um humor agradável”.No encontro, Chinnery refere já ter produzido “cerca de 6000 esboços de paisagens orientais, uma coleção inestimável”. E conta o seu método de trabalho, segundo segue o relato de Read, utilizando a primeira pessoa: “Estou constantemente a acumular. Saio todas as manhãs, antes do café da manhã, e faço um ou dois esboços. No passeio desta manhã, encontrei o nosso mandarim-chefe com todo o seu séquito, uma cena muito curiosa para os europeus. Quando estava a desenhar, ele acenou para que lhe mostrasse o esboço. Reconheceu-se de imediato e honrou-me com elogios. Acontece muitas vezes e é o sustento favorito da nossa profissão”..Sem se preocupar em assinar as obras - são raras as que têm o seu nome -, Chinnery costumava, no entanto, anotar a data de produção. Nos esboços, utilizava um sistema estenográfico - método abreviado de escrita -, que terá aprendido com o avô. Na prática, eram notas que tomava para uso posterior, aquando da realização de aguarelas ou óleos baseados nos esboços. Nesta escrita simplificada, estavam indicações como: “a confiar completamente”, “a parte de cima não está em proporção” ou “lembrar o lindíssimo efeito da luz a banhar todo o fundo da igreja deixando o pilar... e tudo o resto na sombra”.Chinnery morreu a 30 de Maio de 1852, com 78 anos. Um dos seus amigos que viviam em Macau, o negociante norte-americano William C. Hunter (1812-1891), recorda: “Durante todo o tempo que o Sr. Chinnery passou entre nós, 27 anos, deixou-nos duas características: a de ser um grande comedor e a de nunca beber vinho, cerveja ou bebidas destiladas. A sua única bebida era o chá, geralmente mais frio do que quente. Portanto, todos supunham, por seus maravilhosos poderes para comer, que o seu estômago se encontraria em um estado muito perturbado. A autópsia foi feita pelo Dr. [Thomas Boswall] Watson, o nosso médico de Macau, que assistiu ao Sr. Chinnery na manhã do dia em que morreu. Ao examinar o cérebro, ficou evidente que ele morrera de apoplexia serosa, enquanto o estômago estava maravilhosamente saudável”.Na sua edição de 22 de Junho desse ano, o jornal The China Mail, publicado em Hong Kong, concedeu a Chinnery, no respectivo obituário, “um lugar de destaque entre os notáveis do Oriente, quer por conta dos seus grandes poderes de conversação, quer pelas suas realizações enquanto artista”.* Jornalista, autor de vários livros sobre a história de Macau e criador do blogue Macau Antigo (macauantigo.blogspot.com) As imagens utilizadas neste artigo são cortesia do Museu de Arte de Macau e foram originalmente publicadas na edição de dezembro de 2023 da revista Macau, na secção “Arte e Cultura”, com fotografia de Lei Heong Ieong.