Foi a 12 de junho de 1875 que apareceu a figura de Zé Povinho, desenhada por Rafael Bordalo Pinheiro, no jornal A Lanterna Mágica. No primeiro desenho, feito há 150 anos, Zé Povinho aparece a dar as suas últimas moedas ao o Ministro da Fazenda (Finanças) António Serpa Pimentel, que pede dinheiro para o Santo António — que é na realidade Fontes Pereira de Melo com o rei D. Luís ao colo. Está ainda presente o barão de Rio Zêzere a persuadir o Zé Povinho a fazer o pagamento. Zé Povinho surge como figura que representa o povo português. Nesta imagem dá as suas últimas moedas "para sustentar o governo monárquico", diz a descrição da foto. “Rafael Bordalo Pinheiro tinha um humor muito de intervenção política, em que as principais personagens eram os políticos, ou os banqueiros, ou o rei. Zé Povinho é quem vai sofrer quando existe um mau governo”, explica João Alpuim Botelho, diretor do Museu Bordalo, em conversa com o DN por ocasião do aniversário de uma das figuras mais acarinhadas do imaginário nacional.Zé Povinho é figura rural que, de repente, vem para a cidade na época da monarquia parlamentar. “O José Povinho vai votar e tem de saber em quem votar. Numa monarquia absoluta o José Povinho é só um súbdito, praticamente só tem direito de obedecer, e numa monarquia parlamentar e liberal ele passa a ser um cidadão”, explica ainda Alpuim Botelho.O diretor do Museu Bordalo afirma que uma das razões pelas quais a figura do Zé Povinho se tornou popular até aos dias de hoje é porque esta figura fazia falta ao português. “É uma personagem coletiva em que os portugueses se reveem”, disse, acrescentando que esta é uma personagem genial. “ O Bordalo quer, com este Zé Povinho, pôr um espelho à frente da cara de todos nós, chamando a atenção para a nossa passividade em relação aos maus governos.” .Outra razão que João Alpuim Botelho aponta para a popularidade da figura é o facto de ter começado a ser desenhada por outros cartoonistas, mesmo após a morte de Bordalo Pinheiro. “Continuou a ser desenhado durante o Estado Novo, um bocadinho menos, porque, quando há falta de liberdade, realmente é difícil haver críticas, mas depois do 25 de Abril voltou a nascer, e surgiram imensos cartoonistas a desenhá-lo. Hoje em dia continuam a desenhá-lo”, acrescenta. Nos seus desenhos, Rafael Bordalo Pinheiro coloca Zé Povinho em situações concretas com políticos. O objetivo da personagem é "incentivar os cidadãos a serem mais ativos. O leitor vai ver essas situações em que o Zé Povinho se encontra, através do humor vai-se rir, e vai ficar a pensar ‘olha que tolo’, e depois vai perceber ‘espera aí, aquele sou eu’ e ‘aquela situação é o que se está a passar agora’.” Apesar de Zé Povinho existir há 150 anos, a crítica que esta personagem representa continua a ser atual. Para João Alpuim Botelho, diretor do Museu Bordalo, a mensagem continua a ser importante. “Nós, cada vez mais, percebemos que temos de lutar todos os dias pela liberdade, pela democracia e temos de estar atentos para que não nos roubem os nossos direitos enquanto cidadãos e os nossos valores.” .Para João Alpuim Botelho, se a figura de Zé Povinho tivesse sido criada nos dias de hoje seria considerada politicamente incorreta. “Nós associamos a personagem ao gesto do manguito, que é polémico. Durante muito tempo era um gesto obsceno, mas nós achamos, cada vez mais, que é um gesto filosófico, e é um gesto filosófico de recusa das injustiças”, explica. Apesar de aparentar ser um estereótipo português, na realidade José Povinho acaba por representar muitos outros povos. “Nós, no museu, temos visitas de ingleses, americanos, alemães, italianos e quando falamos do José Povinho, eles dizem que é a mesma coisa. Muitas vezes o povo está adormecido e deixa-se ser enganado. Portanto, o que é importante na figura do José Povinho é esta questão de ser alguém que tem de lutar pelos seus direitos, tem de lutar pela sua cidadania, tem de lutar pelas suas liberdades”, sublinha o diretor do Museu.Para celebrar os 150 anos da figura de Zé Povinho, o Museu Bordalo Pinheiro irá inaugurar, a 21 de julho, uma nova exposição permanente, que inclui uma sala dedicada a Zé Povinho.Rafael Bordalo Pinheiro teve sempre uma relação muito próxima com o Diário de Notícias, tendo colaborado várias vezes com o jornal. “O Bordalo desenhou capas, páginas especiais do Diário Notícias e tinha uma enorme admiração pelo Eduardo Coelho. Há uma proximidade muito grande entre o Rafael Bordalo Pinheiro e o Diário de Notícias.”